Não estamos a viver uma, mas várias guerras e, se a que nos chega em imagens chocantes nos incomoda, nos angustia, outras existem em paralelo que não são menos perigosas e que nos envolvem e tocam bem mais de perto.
Refiro-me à guerra da informação e contra informação, que nos leva a, erroneamente, acreditar que participamos, ao vivo e a cores, em todos os momentos do conflito, desde os ataques às conversações diplomáticas.
Informar é dar a conhecer as diferentes versões da situação, de forma objetiva.
Coisa muito difícil de fazer num mundo fortemente condicionado pela “informação” nas redes sociais que, para além de ser instantânea e sem nenhuma preocupação de enquadramento, também não identifica as fontes, o que é primordial em qualquer produção noticiosa.
Sabemos que estas redes não são inocentes na manipulação da opinião pública, conseguindo dar-lhe uma direção de pensamento que já levou e influenciou resultados eleitorais.
Ouvir um ativista ucraniano (podia ser chinês, neozelandês, russo, esquimó…) dizer que não entende como num País como Portugal ainda se aceita a existência dum Partido Comunista é muitíssimo grave e levanta questões que não podemos escamotear, sob pena de sermos acometidos de acefalia coletiva
Mais do que nunca, somos hoje manipulados nas nossas ações e pensamentos. A única forma de nos proteger é estarmos atentos. Mas quem consegue estar alerta perante a avalanche de informações, acontecimentos, relatos, imagens que nos chegam sem que as procuremos, pelos mais diversos meios incluindo telemóveis?
Alguns órgãos de comunicação social tentam fazer o contraditório, apresentar a outra versão, tentar romper com a dicotomia do totalmente bom e totalmente mau. Ter um enviado especial a acompanhar as tropas russas não é apoiar o conflito e a agressão. É antes dar o outro ponto de vista, estabelecer o contraditório, de modo a que possamos entender a forma de ser e de olhar esta guerra que nos entra casa adentro.
Tentar calar o outro, é incorrer no mesmo erro, no mesmo tipo de censura de que acusamos o outro lado.
Da guerra na Ucrânia, podemos concluir, sem sombra de dúvida, a existência dum agressor e dum agredido. Este é um facto impossível de negar, como tão pouco pode ser negado o auxílio aos milhares de pessoas que fogem da morte, da fome, da guerra que lhes bateu à porta.
Dito isto, creio que deverão ser estabelecidos limites com base no bom senso e sobretudo na reflexão sobre o que vemos, o que sabemos e o que ouvimos.
O caso de Setúbal é uma manifesta falta de senso comum.
Mas pergunto: alguém tem dúvidas de que os serviços de informações russo, ucraniano, israelita, americano… estão presentes um pouco por todo o lado, incluindo Portugal? É essa a sua função! Estabelecer “antenas” em diversos países, recolher e difundir informação.
O que é censurável é a participação ativa nessa recolha dos organismos oficiais do país de acolhimento e essa, a ter havido, é de facto muito grave.
Mas são também graves as insinuações, o “diz -que-disse” que levanta suspeitas sem provas, que começa a estabelecer uma certa toxidade no ambiente político nacional.
Não partilho quase nenhuma das linhas ideológicas do Partido Comunista Português. Mas não esqueço o papel fundamental que desempenhou no derrube da ditadura do Estado Novo, na oposição que fez ao regime até ao 25 de Abril nem a clandestinidade que levou tantos homens e mulheres a emigrarem para não sofrerem a prisão e a tortura.
Como também não esqueço a tentativa de estabelecer uma ditadura comunista no nosso País.
Tudo isto faz pare da nossa história e não podemos admitir que, seja quem for, venha dar-nos lições de democracia.
Ouvir um ativista ucraniano (podia ser chinês, neozelandês, russo, esquimó…) dizer que não entende como num País como Portugal ainda se aceita a existência dum Partido Comunista é muitíssimo grave e levanta questões que não podemos escamotear, sob pena de sermos acometidos de acefalia coletiva.
Primeiro, é uma intromissão na vida política do País que escolheu para acolhimento, que não lhe fica bem.
Depois, porque Portugal, ao contrário do regime ucraniano, que ilegalizou todos os partidos comunistas muito antes da invasão, é um País profundamente democrata, onde não existe o delito de opinião e onde as únicas linhas vermelhas que não se transpõem jamais são as que se traçam face ao respeito incontestável dos Direitos Humanos.
Nada disto se contrapõe ao horror que se está a passar, nem poderá nunca ser razão invocada para não atender ao drama humano a que assistimos. Tão pouco poderá justificar a agressão que está a sofrer um estado soberano como a Ucrânia.
O que não podemos é fingir que não vemos e sobretudo aceitarmos não pensar.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.