Na última semana, muitas foram as críticas feitas a António Guterres enquanto secretário-geral da ONU.
Pessoalmente não partilho dessas posições, não pelo facto de se tratar dum português, nem tão pouco e muito menos por fazer parte da minha “família” política.
Acontece que tenho memória e, num país onde maledicência e a inveja são dois desportos nacionais, passa-se de bestial a besta num piscar de olhos.
Guterres é o homem certo, no lugar certo, no momento exato!
Foi um exemplar Alto Comissário para as Migrações e é um secretário-geral com a capacidade diplomática e a ponderação, essenciais num momento tão perigoso como este que vivemos.
Tudo serviu para denegrir a viagem de conversação às duas nações beligerantes.
Desde logo, o facto de ter ido primeiro falar com a Rússia antes de falar com a Ucrânia.
Ora um tal comentário é de quem não entende o que são relações internacionais e muito menos o que é diplomacia. Quer gostemos ou não, até ao momento a Rússia é membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Como tal, nada de mais adequado do que começar as conversações pelo país que se encontra direta e fortemente comprometido com a Carta das Nações Unidas.
O contrário, sim, seria uma mensagem de indubitável apoio que, de facto, a ONU não pode ter.
Podemos concluir que se torna necessária outra estrutura internacional e que a organização tem que ser reorganizada ou mesmo substituída. Essa é uma questão. Mas não está em cima da mesa num momento tenso como este.
Caso Guterres optasse por se encontrar com o Chefe de Estado da Ucrânia, a escalada do conflito seria inevitável!
As imagens difundidas, a mesa monstruosa que separa cada negociador, em bom rigor, significam o quê? Nada! É propaganda pura e simples, uma manipulação mediática que leva a opinião pública a tomar um determinado partido e a denegrir e a esvaziar os esforços de Guterres
As imagens difundidas, a mesa monstruosa que separa cada negociador, em bom rigor, significam o quê? Nada! É propaganda pura e simples, uma manipulação mediática que leva a opinião pública a tomar um determinado partido e a denegrir e a esvaziar os esforços de Guterres.
A posição da opinião publica internacional é muito clara e, naturalmente, partilhada. Como disse com o humor que lhe é conhecido Ricardo Araújo Pereira, uma vez que o conflito decorre na Ucrânia e envolve um país vizinho, das duas uma: ou este invadiu ou foi “convidado”. Parece não ser este o caso!!
Não existem dúvidas quanto à legitimidade da atuação do Kremlim.
Mas em termos diplomáticos e por forma a conseguir o que se pretende – acabar com o conflito e poupar vidas humanas –, há que saber esgrimir argumentos e sobretudo agir dentro das linhas existentes.
E para tal, de facto, não encontro ninguém melhor que o nosso compatriota para o fazer!
É-lhe reconhecida a sua capacidade de diálogo, tal como lhe é reconhecido o conhecimento que tem quer do Sr. Putin quer do Sr. Zelensky. E é esse conhecimento que pode fazer pender a situação para o caminho da trégua que se pretende.
Não, Guterres não foi humilhado como muitos quiseram fazer crer. Não, não foi lento em agir.
Naturalmente que, para quem está a sofrer no seu quotidiano os horrores da guerra, dois meses é uma eternidade, são milhares de mortos e de deslocados.
Mas a diplomacia não é uma corrida de cem metros. É antes uma maratona e só um corredor de fundo pode chegar à meta.
Poder-se-á dizer que devem ser analisadas outras estruturas que assegurem a paz mundial no futuro. Para já, esta é a que temos e não podemos matar o mensageiro. Sobretudo quando esse mensageiro está limitado pelo lugar que ocupa e que tem de agir dentro das suas competências.
Até porque, se o conflito na Ucrânia é para nós algo de extrema preocupação a ponto de se nos afigurar único, para a ONU e para Guterres, é um de entre muitos.
Isto não lhe retira a importância, está bem de ver, até porque o adversário ameaça com uma escalada nuclear.
Torna-o, isso sim, melindroso e, como tal, a ter que ser gerido com pinças por forma a não encurralar o urso.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.