A vaga de solidariedade com o povo ucraniano não pára de crescer, se bem que se sinta já um certo cansaço da guerra.
Tal como começa a existir um certo aproveitamento da situação, seja para se afirmarem corporações como voluntários nas atividades que são a sua razão de ser e para as quais têm isenções de horários, seja para se procurarem subsídios para projetos de apoio a refugiados ucranianos, uns mais megalómanos que outros. Enfim, a natureza humana no seu pior, mas que, tal como o seu melhor, vem ao de cima em situações de guerra.
Este conflito que pode ter um epílogo rápido e inesperado, com uma estratégia de falsa vitória que nos anestesie a todos, sem, no entanto, deixar de continuar a “produzir” vítimas de guerra, desta feita de baixa intensidade, para as quais já não olharemos da mesma forma.
Não é preciso uma grande leitura estratégica para ter uma certeza: esta é uma guerra que a Ucrânia sozinha não poderá ganhar! Fará, isso sim, e como o prova dia a dia, pagar um alto preço pela sua derrota, mas não podemos esquecer que está sozinha perante uma das maiores potências militares.
Possivelmente terá que optar por uma resistência comandada por um governo no exílio e manterá, durante décadas, vivo o espírito nacionalista que demonstrou ter.
Quanto à Rússia, clamará a vitória com a anexação de partes importantes da Ucrânia, vedando-lhe o acesso ao Mar Negro e ficar-se-á por aí, reiterando, dessa forma, a ideia de que a única razão de todos estes movimentos ofensivos foi defender regiões russófonas em perigo.
Uma espécie de guerra pelo “espaço vital” e da máxima “onde estiver um russo aí será a Rússia” de má memória histórica, apenas com outros protagonistas.
Seguir-se-á uma época de cansaço generalizado de guerra por parte da comunidade internacional.
Independentemente dela continuar a existir em termos de guerrilha e resistência, iremos certamente esquecer ou, pelo menos, retirar-lhe importância. Seguramente deixaremos de lado as políticas facilitadoras de movimentação que agora, e bem, foram rapidamente tomadas.
A Rússia de Putin é mais que uma só figura! Há todo um estado de alma partilhado por uma certa elite, independente da vontade global do povo.
O imperialismo corre-lhes nas veias e é apenas uma questão de tempo e reorganização para que outras incursões, às portas ou mesmo dentro da Europa, sejam feitas à luz dos mesmos princípios
Durante este interregno de paz mitigada, a Europa tem duas opções: ou continua a negar o óbvio, ou seja que só poderá assumir-se como potência interventiva na política internacional se tiver uma política externa e um sistema de defesa e segurança comuns; ou deixa cair a norma da unanimidade e assume o federalismo como única forma de existência.
Não me parece que haja aqui uma terceira via.
Até porque os tempos dos nossos adversários são muitíssimo diferentes dos nossos.
Os governos autocráticos têm como denominador comum o perdurarem no tempo, eternizando, qual monarquia sufragada, os seus mandatos.
Esta forma de governo permite estabelecer metas a um prazo imensamente longo, deixando espaço para falsos recuos, momentos de aparente bonomia, mas que estrategicamente são utilizados como preparação para novas ações.
A Rússia de Putin é mais que uma só figura! Há todo um estado de alma partilhado por uma certa elite, independente da vontade global do povo.
O imperialismo corre-lhes nas veias e é apenas uma questão de tempo e reorganização para que outras incursões, às portas ou mesmo dentro da Europa, sejam feitas à luz dos mesmos princípios.
Daí que nós, os Ocidentais, os que se arvoram em defensores da democracia, tenhamos que olhar para o exercício do poder com outros olhos.
Não podemos continuar a ter como horizonte de ação política apenas as lutas eleitorais e os sufrágios que daí resultam.
Temos que deixar de olhar a atividade politica como se se tratasse duma função numa repartição pública bem (muito!) remunerada. Temos que definir um projeto, um desígnio europeu e nacional e atermo-nos a ele sem demagogias nem tibiezas.
Falamos há anos do projeto europeu. Onde está? Resume-se à partilha duma moeda que nem sequer é totalmente comum.
Relembro uma peça jornalística que passou há algum tempo em que se viam os parlamentares europeus, quase todos de troleys aviados às quintas feiras, para retornarem aos seus países. O jornalista, nalgumas entrevistas que conseguiu fazer, questionava sobre a votação que iria ter lugar no dia seguinte. A resposta era que tinham trabalho a fazer enquanto representantes do seu país nos corredores da Europa, que deviam isso aos seus eleitores.
Ora, salvo raras (mas honrosas) exceções, conseguiremos nós, meros eleitores, enumerar mais de quatro, vá meia dúzia, de parlamentares europeus? Ou mesmo nacionais? Conhecemos as suas ideias, reconhecemos-lhes alguma intervenção?
Enquanto não tomarmos a política por aquilo que ela é – uma função ao mais alto nível – não conseguiremos ter projeto nacional e muito menos europeu.
Dessa forma, estaremos sempre derrotados à partida.
Não é uma questão de desistir de lutar, como dizia o saudoso Mário Soares. É que realmente não estamos para isso.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.