Durante a Guerra Civil Espanhola, ficou célebre a frase “No Passaran”, numa clara referência à luta contra a intolerância, o despotismo e a ditadura que representava a fação falangista.
O que muitos não relembram ou não sabem é que, por cima desses escritos vermelhos em diversas paredes de dezenas de cidades espanholas, alguns tempos depois surgiram outros a negro “Hemos Passado”!
Neste 30 de janeiro, o povo português deu claramente o grito de “Não passarão”!
Não passarão os liberalismos desenfreados que veem na economia de mercado a única resposta para o desenvolvimento, descurando o que verdadeiramente interessa: as pessoas.
Não passarão os que pretendem fazer retroceder o Estado de Direito a tempos obscuros de justiça popular, à custa do medo das alterações inevitáveis num mundo em mudança.
Não passarão os movimentos racistas, xenófobos e intolerantes, para quem só existe uma forma de organização: a ordem musculada.
Foi uma noite de esperança e alegria, mas não foi o fim da luta.
O perigo do escrito a negro de Hemos Passado existe, é real e muito, muito preocupante.
Aquando do aparecimento do movimento CHEGA, entretanto transformado em partido, muitos de nós escrevemos que o mesmo era inconstitucional e não deveria ser permitido.
Levantaram-se logo inúmeras vozes apelando à democracia e à liberdade de expressão e de pensamento. Como se a própria democracia, a liberdade ela mesma, não tivessem limites a partir dos quais deixam de existir. Se toda a liberdade fosse permitida, o que impedida o assassino, o violador, o agressor de cometer os seus crimes?
O CHEGA não está apenas na casa da democracia. Infestou uma grande parte da sociedade e este é talvez o maior desafio que se coloca para estes quatro anos no que concerne à estabilidade social
A democracia não é a aceitação de toda e qualquer ideia de organização política, caso contrário seríamos cúmplices com regimes totalitários, desumanos e onde a lei da força substitui a força da lei.
Não é apenas o facto de termos, no nosso espectro político, uma terceira força de caráter declaradamente extrema direita que nos deve preocupar. São as sementes que foram lançadas em determinadas áreas, que se tornam agora ainda mais preocupantes.
Uma maioria absoluta não resolve tudo, mas pode proceder a grandes alterações estruturais que esvaziem determinadas conceções de sociedade que foram germinando de mansinho sem nos darmos conta.
A pasta que neste momento representa um maior desafio no próximo governo é sem duvida a pasta Ministério da Administração Interna (MAI)!
Nos últimos anos, assistimos quase com bonomia ao aparecimento de movimentos preocupantes dentro das forças de segurança. São, naturalmente, minoritários, mas nem por isso menos preocupantes e as ervas daninhas há que as arrancar enquanto são ainda tenras, sob pena de se tornarem infestantes.
O denominado Movimento Zero, cuja estrutura é nebulosa e baseia-se na falsa premissa de que um estado forte, tem que ser musculado. Na ideia de que o respeito pela autoridade se impõe em vez de se conquistar.
Evidentemente que um sentimento entre homens e mulheres com espírito de missão não aparece espontaneamente. É preciso ir à base dessa perda de autoridade, desse sentimento de desproteção de que se queixam estes profissionais, para resolver a situação de forma integradora e sem dar espaço a laivos de autoritarismo e despotismo.
O CHEGA não está apenas na casa da democracia. Infestou uma grande parte da sociedade e este é talvez o maior desafio que se coloca para estes quatro anos no que concerne à estabilidade social.
Não tenhamos dúvidas que bem não tarda teremos manifestações em frente à Assembleia da República de elementos fardados (sempre em minoria, sempre poucos, mas vociferado como se fossem um mar incontrolável) exigindo o que claramente sabem que não é possível. Fazendo a agenda da extrema-direita.
É preciso entender estas questões e nunca como neste momento o lugar de MAI tem que ser ocupado por alguém que saiba ouvir e não tema agir. Mas agir sensatamente tendo em conta que estes homens e estas mulheres são, antes de outra coisa qualquer, portugueses e portuguesas que precisam de se sentir reconhecidos e seguros.
Sem falsas promessas messiânicas.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.