…Ou de como o bater de asas duma borboleta no Japão pode provocar um tornado nos antípodas.
Lembro-me muito bem do primeiro contacto que tive com o CHEGA.
Numa entrada do Metro no Saldanha, três jovens entre os 14 e os 16 anos (perguntei-lhes, pois que me pareciam muito jovens e ainda sem idade para votar) recolhiam assinaturas para legalizar o embrião venturista e transformá-lo num partido.
Meti conversa, quis saber porque estavam ali e, pergunta fundamental, se sabiam que projeto era esse para o qual pediam assinaturas a quem passava.
Como esperava e é natural em miúdos tão jovens, apresentaram uma argumentação nitidamente encomendada, sem fundamento e baseada em chavões e estereótipos que me assustaram. Ainda tentei “puxar” por eles, fazer-lhes ver que a História pode muito bem ser cíclica e que há que aprender com os erros para não se cometerem uma e outra vez.
Está bem de ver que passaram à frente. Afinal eu não ia assinar e havia quem achasse muita graça aos catraios e assinasse sem muitas questões.
Ainda voltei atrás para lhes perguntar quanto lhes pagavam para aquele trabalho. Uma delas que nitidamente liderava o grupo respondeu do alto dos seus quinze anos cheios de certezas. “Estamos aqui por convicção”.
Na altura a grande maioria das pessoas minimizava a situação olhando o fenómeno como o “disparate do CHEGA que não chegará a lado nenhum”. Porém, alguns mais alerta para os sinais dos tempos começavam já a temer o pior. E o pior estava à vista : uma geração que ainda não tinha direito a participar no ato eleitoral, mas que estava já a ser catequizada para uma visão do mundo dividido entre nós e os outros.
No último congresso?-convenção?, foi aberta mais uma fresta da Caixa de Pandora, com a aprovação dum “cadastro étnico–racial”.
Um partido que defende o retorno à pena de morte, ao cadastro racial, à castração química, pode não se afirmar em letra de forma como fascista, mas que o é é! Como tal, já vai tarde, muito tarde, uma posição firme
O próprio nome encerra dois pressupostos infames e perigosos: cadastro e raça.
Ora, tanto quanto sei, cadastro refere-se a um registo de atropelos à Lei vigente levada a cabo por um indivíduo e que ponha em perigo a segurança dos outros e a sua própria. Neste caso e para aqueles senhores, o crime consiste em ser diferente, ser de outra “ raça”.
Tirando os animais (cães, gatos, gado bovino…), não existe outra raça que não a humana no que se refere aos indivíduos e o tempo em que se celebrava a “raça” remete para épocas bem negras e criminosas, quer da nossa história nacional, quer da história mundial.
Tempos de apartheid, de “estrelas de David” nas lapelas, ou outros símbolos que identificassem a religião, o grupo ou a opção sexual. Tempos de cinzentos, castanhos e azuis escuros nos trajes a que apenas os símbolos da ”infâmia” davam alguma cor .
Aparente sem qualquer ligação a este assunto, ressurge o caso do pai de dois jovens de Famalicão que, mais uma vez, coloca uma providência cautelar contra o “chumbo por faltas” dos filhos à disciplina de Cidadania e Desenvolvimento.
Em comum, têm a formatação de jovens influenciáveis e vulneráveis, num quadro de espartilhamento retrógrado com que tentam inverter e anular todos os objetivos de liberdade e autodeterminação alcançados.
Ensinar a olhar a sexualidade como um ato natural e de carácter pessoal e íntimo, a respeitar quem reza a Allah, Yahweh ou a Cristo, entender que só temos um planeta e aqui vivemos todos com os mesmos direitos e os mesmos deveres é perigoso para quem?
Se o que se pretende é retornar aos tempos da sexualidade para a procriação, aos tempos das cruzadas (dum e doutro lado, note-se!) ao tempo da escravatura… ah, nesse caso, parece-me lindamente que o ministério da Educação dê razão ao pai dos pobres miúdos (que devem sofrer horrores com tudo isto ou quiçá já tenham ultrapassado essa fase e se perfilem para suceder a Chegas e quejandos).
Caso contrário, as questões são muito simples:
Um partido que defende o retorno à pena de morte, ao cadastro racial, à castração química, pode não se afirmar em letra de forma como fascista, mas que o é é! Como tal, já vai tarde, muito tarde, uma posição firme.
O argumento da democracia não pode ser usada a belo prazer e apenas quando dá jeito. Até porque existe uma barreira que nem ela poderá jamais ultrapassar: a da dignidade e dos direitos humanos.
Relativamente aos jovens que perderam o ano por faltas, bem o caso é muito simples. A disciplina é obrigatória e como tal rege-se pelos mesmos pressupostos da Matemática ou Educação Física. Não é pelo facto dos pais serem surdos que as crianças estão isentas de frequentar a disciplina de Educação Musical (ainda é assim que se chama?).