À primeira vista, a criação dum “passaporte sanitário para a COVID” parece uma excelente ideia, desde logo porque vai permitir o regresso duma mobilidade que tem estado limitada há já um ano.
E não é apenas uma questão de reativar o turismo, assunto não despiciendo, mas porque reativa a economia toda ela.
É um facto que as novas tecnologias trouxeram consigo novas formas de trabalhar, permitindo que, com um click, possamos fazer reuniões que doutra maneira impunham deslocações de dias. Quantas vezes para uma única reunião de pouco mais duma hora perdia-se um dia inteiro em viagens!
Mas há situações que é impossível resolver on line! Estou a pensar na indústria têxtil ou de calçado, que vive essencialmente da mostra do produto aos clientes in loco, permitindo-lhes tocar e analisar o modo de fabrico, o material, etc. E outras haverá do mesmo teor.
Daí que, sim, um passaporte COVID faz sentido.
Porém…
Face ao aumento de doenças infecto-contagiosas provenientes de fora de Portugal, o grupo de estudo do qual fiz parte propôs um certificado que visava sinalizar, monitorizar e proteger o portador da doença, bem como proteger todos os que com ele tivessem contacto
No início desta praga, dizíamos que a humanidade estava toda no mesmo barco. O tempo (e não foi preciso muito) demonstrou que, como em tudo na vida, há camarotes, porões, botes salva-vidas e até jangadas e assim, embora naveguemos nas mesmas águas, uns têm certamente mais hipóteses de chegar a bom porto que outros.
A questão sanitária ligada à mobilidade não é de hoje e sempre levantou questões de toda a ordem, nomeadamente, de equidade e de não discriminação.
Criar um “passaporte” deste tipo é, desde logo, limitar os movimentos de países mais pobres, aos quais as vacinas chegarão a conta-gotas, se é que chegam e impedi-los de imigrar. Pode ser até a mais perversa forma de limitação da imigração. Não que ela esteja na cabeça de quem propôs o mecanismo, mas não tenho muitas dúvidas que estará no horizonte daqueles que ainda se pautam pela supremacia racial.
Aqui há uns anos e, face ao aumento de doenças infecto-contagiosas provenientes de fora de Portugal, o grupo de estudo e acompanhamento do qual fiz parte propôs, não um passaporte, mas sim um certificado que não podia ser razão impeditiva de mobilidade, mas que visava sinalizar, monitorizar e proteger o portador da doença, bem como proteger todos os que com ele tivessem contacto.
Levantaram-se imensas vozes contra uma tal discriminação que, note-se!, visava salvar a vida do infectado, proporcionando-lhe o tratamento necessário e impedindo a propagação da doença. Está bem de ver que as vozes do costume alertaram de imediato para uma eventual migração de saúde, com vagas de gente que procuraria aqui o tratamento que não possuía no seu país.
Dou isso de barato e acredito que sim. Mas não é argumento ao qual dê grande crédito até porque continuo, contra ventos, marés e tempestades, a considerar que a solidariedade é o que nos distingue dos animais (e se estes são solidários entre si!)
Ora um “passaporte” é por definição um documento de viagem e como tal, olhando mais de perto a proposta, não se me afigura assim tão boa, porque é totalmente discriminatória para os cidadãos de países onde a vacina não existe e, como tal, não poderão imunizar seja quem for.
Já se falarmos dum documento que ateste que a pessoa foi vacinada, tem teste negativo e, aproveitando a boleia, não padece de nenhuma doença infecto-contagiosa e se esse documento não for impeditivo de circulação das pessoas… ah, aí, sim, estarei de acordo.
É que o que me tem vindo a preocupar é a quantidade de Liberdade que temos vindo a voluntariamente perder em prol duma suposta segurança. A longo prazo, não se me afigura boa política.