Há um adágio que diz que “o ótimo é inimigo do bom”. Talvez não fosse má ideia acrescentar que o ótimo é sempre inalcançável, uma vez que as circunstâncias e o tempo são fatores mutantes que o alteram.
Vem isto a propósito do nosso Sistema Nacional de Saúde (SNS), que tem imensas falhas, mas que respondeu e continua a responder ao nível dos melhores do mundo.
Que o diga uma amiga minha a residir nos EUA e com um magnífico seguro de saúde!!!
Os meus pais (ele com 90 e ela com 86 anos) foram hoje receber a primeira dose da vacina contra o bicho malvado (estou farta de ouvir-lhe o nome!!!).
Num amplo pavilhão, sem luxos mas magnificamente adequado às recomendações da direção-geral da Saúde, foram atendidos em tempo record e… com uma simpatia e um sorriso nos olhos (sim, só vimos os olhos, certo?) cansados, que nada paga.
Pela primeira vez em meses, vi-lhes no rosto uma esperança e um alívio como se, agora sim, tudo fosse ficar bem.
Devido à idade avançada de ambos, não é a primeira vez que testemunho este empenho e este desvelo e, se pensarmos que o sistema é praticamente gratuito e aberto a TODOS, não podemos deixar de fazer a justiça de dizer que o nosso é um dos melhores sistemas de saúde do mundo.
Faltam médicos, faltam enfermeiros, falta pessoal auxiliar, faltam até equipamentos, sem dúvida. Mas tudo isso é o resultado de dezenas de anos sem investimento na área e com alguns “convites” à “exportação” de profissionais mais do que qualificados.
Daí que apenas por maledicência ou oposição em praça pública se possa dizer mal do que com tanto esforço está a ser feito.
Há, porém, uma faixa de cidadãos que tem sido um pouco esquecida e que me parece ser hora de olhar com um mais atenção: trata-se dos sem-abrigo e dos imigrantes que ainda se encontram em situação irregular, muitos deles por culpa da Administração.
No que toca aos sem-abrigo, a grande maioria não “existe” e, como tal, não contam para as estatísticas. Sem máscaras, sem local onde ter as mínimas condições de higiene, são fortes candidatos a focos de transmissão da doença. Na sua desesperada necessidade de sobrevivência, acercam-se de nós (muitos deles cobrindo o rosto com os farrapos que lhes servem de roupa), pedindo ajuda. Há aqui um enorme trabalho de solidariedade social a fazer que não compete ao SNS, mas que urge ter resposta.
Se bem que muitos conheçam a universalidade dos cuidados médicos posta ao dispor pelo Estado Português, receiam dirigir-se aos hospitais ou aos centros de saúde para fazerem rastreio ou mesmo iniciarem ou continuarem tratamentos médicos. O medo é apenas um: serem denunciados e sofrerem alguma consequência
Já no que diz respeito à grande massa de imigrantes em situação irregular, o caso é tão ou mais desesperante.
Se bem que muitos conheçam a universalidade dos cuidados médicos posta ao dispor pelo Estado Português, receiam dirigir-se aos hospitais ou aos centros de saúde para fazerem rastreio ou mesmo iniciarem ou continuarem tratamentos médicos. O medo é apenas um: serem denunciados e sofrerem alguma consequência.
Também estes não me parece que contem para as estatísticas da incidência desta praga moderna ou até de outras doenças infeto-contagiosas, malgrado o esforço feito em determinadas áreas, nomeadamente, no combate à tuberculose multirresistente ou do HIV.
O medo e a ignorância andam de braço dado e não é com cercas sanitárias setárias que se resolve, mas sim com a divulgação clara e sem demagogia dos direitos e deveres de todos.
Em boa hora, a task force para a implementação do Plano Nacional de Vacinação foi entregue aos militares. Com efeito, são estes que têm treino em guerra química e em situações de ação humanitária extrema.
No fundo, é a situação em que nos colocou esta praga. O inimigo é de caráter químico e infeccioso e a ação para salvar vidas tem de ser rápida e eficaz. Tudo o que o Exército está capaz de fazer e bem.
Daí que talvez seja altura de, nesse Plano, incluir estes dois grupos, duplamente segregados e fragilizados, com uma resposta adequada.
Desde logo, uma campanha de distribuição de máscaras pelos sem-abrigo (vai contra aqueles que queriam um taxa sobre este método de proteção mas… temos pena. As pessoas valem mais do que qualquer cofre do Estado).
Seguidamente, junto das associações de imigrantes, tentar saber o ponto da situação e, em parceria, desenvolver uma campanha sólida de informação generalizada, sobre o direito à saúde e o dever de sigilo que obriga os profissionais, de maneira a acabar com o medo.
Porque esse é talvez o mais difícil inimigo a combater. O medo. E fomentá-lo nos inúmeros gráficos e notícias não me parece grande serviço público.