Há cerca de quarto anos escrevi um artigo num jornal nacional, no qual alertava para a forte possibilidade de o Algarve vir a ser palco da chegada de embarcações com imigrantes ilegais e, por consequência, Portugal vir a figurar como uma rota alternativa às existentes e entretanto combatidas.
Na altura, os comentários acusavam-me de ser demasiado pessimista e alertavam-me para o facto de o Algarve, embora confluindo com o Mediterrâneo, ser ainda banhado pelo vigoroso Oceano Atlântico, o que tornava a travessia bem mais difícil.
Nem os meus argumentos da proximidade entre o Sul do País e o Norte de Marrocos, nem o facto de, no século XVI, termos feito travessias bem maiores em verdadeiras cascas de noz, nem sequer o facto de estarmos perante gente desesperada que tenta a sua sorte, mereceram mais que desdenhosos encolher de ombros.
No dia 22 de julho, mais uma embarcação desta vez com 21 pessoas a bordo, foi interceptada numa praia no Algarve.
Que conclusões podemos tirar daqui? Desde logo, o bom trabalho da segurança costeira, mas também do aumento do número de pessoas a tentar esta alternativa.
Não tenhamos ilusões: se o número aumentou é porque por 5 embarcações intercetadas e identificadas, pelo menos o dobro terá conseguido chegar a terra e desembarcado sem ser detetado. Há pois que, sem receio de incorreção política, encarar o facto de estarmos perante uma nova rota de entrada na União Europeia.
Este não é um problema português, como não é um problema espanhol, italiano ou grego. Os fluxos migratórios ilegais são um problema de toda a Europa. Até porque, se é certo que aqueles são os países de primeira linha por causa da sua localização geográfica, não deixam de ser países de trânsito, uma vez que, na esmagadora maioria, estas pessoas tencionam alcançar outros países do Centro e Norte da Europa.
Está mais que provado que levantar muros ou muscular o patrulhamento das fronteiras não resolve o problema de base. É necessário uma política migratória europeia que estabeleça corredores de migração legal, baseados na demanda do mercado. Até porque, no final das contas, é sempre este que determina tais fluxos. Paralelamente, cabe à UE estabelecer junto dos países de origem destes movimentos, projetos concretos de cooperação e de fixação da população jovem daqueles países, contribuindo assim para uma dinamização das economias e reduzindo a necessidade de procurar noutros países aquilo que podem obter nos seus.
Este diagnóstico e estas duas soluções estão há muito definidos .
O que falta pois? Falta solidariedade e, sobretudo, falta alterar alguns requisitos que foram estabelecidos aquando da criação da União, mas que agora, perante 27 membros, tornam inoperante qualquer tomada de decisão comum.
Veja-se o que aconteceu com a questão dos fundos para fazer face à recessão económica devida à Covid-19. Durante semanas, esgrimiram-se argumentos, tentando estabelecer uma linha separadora entre os países “frugais”, que podemos também apelidar de oportunistas, e os países esbanjadores , o que não deixa de ter uma pontinha de verdade se formos sérios e recordarmos o passado recente.
Perdeu-se um tempo precioso neste debate que tomou contornos perniciosos no que respeita ao cumprimento das regras de Estado de Direito por parte de alguns países.
Sejamos sérios: países como a Polónia ou a Hungria só emendarão a mão se lhes forem colocados entraves ao acesso a fundos europeus. As sua políticas sociais têm um claro cunho de xenofobia que se opõe totalmente ao projeto da União.
Porém, e mercê da necessidade da aprovação por unanimidade das resoluções (artigo 7 do Tratado), qualquer país pode chantagear os restantes, entravando decisões importantes para a subsistência da União. Foi por esta razão que os 25/26 decidiram fechar os olhos ao que se passa naqueles dois países, mas de forma muito mais evidente e preocupante na Hungria, de maneira a conseguirem um acordo que alavanque a economia europeia. Mais uma vez, o mercado se sobrepôs à solidariedade. E, neste caso, reconheço que não havia grande alternativa.
Ora como podemos nós aspirar a uma política migratória comum, a uma lei do Asilo e Refúgio comum, sem alterarmos este pressuposto de decisão por unanimidade?
Há, pois, que rever alguns artigos do Tratado. E que melhor altura que esta, em que uma pandemia generalizada coloca tudo em questão?
Se calhar fazia sentido um novo Tratado de Lisboa na próxima presidência Portuguesa com uma especial incidência na questão migratória.
Mas, para isso, seria preciso pensar fora da caixa e sobretudo ter uma visão global da situação, o que não se compadece com corporativismos e status quo instituídos.
Assim temo bem que… “tudo como dantes, Quartel General algures no … Terreiro do Paço!”