Algumas semanas atrás, Michael Spindelegger, diretor geral do Centro Internacional de Políticas Migratórias e Desenvolvimento, declarou que a Europa não estaria preparada para confrontar-se novamente com um fluxo migratório idêntico ao de 2015/2016. Estas declarações surgiam duma clara análise dos sinais, que muitos teimam em não querer ver, bem como na sequência das afirmações que o representante turco proferiu aquando da Conferência de Viena sobre Migrações que teve lugar no passado mês novembro. Na altura, não restaram dúvidas a nenhum dos presentes que se tratava duma ameaça clara à inércia europeia em lidar com a crise humanitária e migratória que vinha crescendo.
Os acontecimentos do último fim de semana são preocupantes, mais por aquilo que representam do que pelos factos em si.
Naturalmente que se trata duma manifestação de força por parte de Erdogan para consumo interno. A ofensiva em Idlib, que custou a vida a, pelo menos, 30 soldados turcos, não poderia ficar sem resposta perante a opinião pública turca.
Mas em política não há coincidências e sim momentos chave e esse é um deles. A Comissão pretende apresentar o esboço dum Novo Pacto sobre Migração e Asilo na Cimeira Europeia que decorrerá este mês. A agenda, embora ambiciosa, pode porém ficar muito aquém do desejado uma vez que os 26 membros têm visões diametralmente diferentes, no que respeita à migração.
Com efeito, o Novo Pacto prevê o desenvolvimento de um sistema de asilo verdadeiramente europeu, baseado na solidariedade, na partilha de encargos e num mecanismo para a distribuição de requerentes de asilo, dentro da União.
A este propósito a Alemanha propôs uma abordagem que poderia relançar a cooperação intra-UE em matéria de asilo e migração irregular. A ideia é rastrear os pedidos de asilo nas fronteiras exteriores, devolvendo imediatamente os casos inadmissíveis e distribuindo os demais candidatos pelos Estados-Membros, de acordo com uma chave de distribuição ainda não acordada. Isso levaria a que o acesso à situação de asilo e aos benefícios sociais só estariam disponíveis no Estado-Membro responsável.
Além disto, o Pacto prevê ainda um maior apoio financeiro aos países com fronteiras externas e à Turquia, reforçando o acordo estabelecido entre a UE e aquele país.
De facto e embora o foco midiático tenha sido redirecionado para outros acontecimentos, quer a Grécia quer a Turquia têm vindo a enfrentar uma enorme pressão, com o aumento do número de refugiados e deslocados, sobretudo da Siria mas não só, que tentam atravessar os dois países de maneira a alcançarem sobretudo os países do Norte da Europa.
No entanto e como se tem visto, a força da União é cada vez menor e as suas propostas não passam disso mesmo: meras recomendações que não vinculam nenhum dos seus membros, deixando a sua adoção à vontade política de cada Estado Membro.
Alguns dirão que a isto se chama soberania. Mas quando existe um problema comum não pode haver posições individuais sob pena de deixar avolumar problemas que podem por em causa toda a construção europeia.
Ora o que Erdogan veio claramente demonstrar é que está cansado de declarações de intenções que não têm resultado em compromissos crediveis e que possui uma “arma política” fortíssima perante a Europa e não hesitará em utilizá-la.
A fronteira do Evros é a mais fácil de cruzar de todas as fronteiras externas da UE. Perigosa, sem dúvida, mas com a Operação Aspida, que implicava um contingente de tropas deslocadas para aquela área, terminada por falta de fundos, tornou-se a melhor opção. E se a isso juntarmos a abertura de fronteiras do lado turco, não tenhamos dúvida de que 2020 será o ano do êxodo total.
Naturalmente que este foi um aviso e Erdogan irá recuar. Mas até quando? E a que preço?
A tibieza da Europa em lidar com este assunto não pressagia nada de bom. Não tendo havido politicas claras de migração regular e de integração, resta à Europa uma única resposta a repressão e a força. Mas nenhuma será suficiente face a milhares de pessoas desesperadas que a própria UE ajudou a deslocar. Essa é a grande verdade: o jogo virou.