Uma extraordinária mobilização matou o “empatão” que mostravam todas as sondagens. Os resultados históricos na noite eleitoral apanharam todos de surpresa, até mesmo dentro do PS, onde ninguém, depois das últimos inquéritos que foram saindo nos últimos dias e que davam empates técnicos entre PS e PSD, acreditava que fossem possíveis. António Costa conseguiu uma maioria retumbante, à custa do voto útil, de uma penalização evidente do Bloco de Esquerda e da CDU e de um “chega para lá” ao PSD de Rui Rio, que não conseguiu convencer o eleitorado ao centro e perdeu em força para a sua direita.
António Costa conseguiu uma improvável maioria absoluta (a segunda de sempre para o PS) que chegou a pedir mas teve medo de forçar e largou ao fim da primeira semana de campanha. Mesmo assim, arrumou com tudo e todos: arrebata mais de 117 deputados, teve um claro reforço da confiança na sua governação, baixou a bola dos antigos parceiros de Geringonça, arrasou com a vontade de mudança que despontava pelo País.”Uma vitória da estabilidade”, disse no discurso de vitória. Lembra-se do momento tão insólito em que mostrou o Orçamento do Estado pronto a aprovar no fim do debate? Pois é, afinal o tempo deu-lhe razão.
António Costa dizia que continuaria, em qualquer circunstância, a dialogar, mas tem agora a faca, o queijo e o prato na mão. Cabe assim a Marcelo Rebelo de Sousa fazer aquilo que o próprio António Costa assegurou que o Presidente da República faria: fiscalizar a atuação do governo e refrear um primeiro-ministro absoluto, evitando que se torne absolutista.
A estratégia errática de Rui Rio revelou-se, como seria de esperar, desastrosa nas urnas. Teve o pior resultado desde 1983 em percentagem de votos. Tanto tentou colocar o PSD ao centro, excluindo mesmo a definição de partido de centro-direita, como mostrou uma aproximação e uma defesa de medidas emblemáticas dos partidos à sua direita. Disse várias coisas e o seu contrário, tanto sobre o que faria com o Chega em caso de ser o partido mais votado como na hipótese de não ser. Tanto ziguezagueou e piscou o olho para um lado e para o outro que acabou por tornar impossível que alguém seguisse convincentemente atrás dele. Não sabemos se outro líder mais coerente conseguiria um melhor resultado, mas uma coisa é certa: Rui Rio tem a cadeira a arder e não lhe resta outra hipótese que não a saída.
A par do PSD, o Bloco de Esquerda foi o maior derrotado da noite. Passou de um grupo parlamentar com 19 deputados para 5, perdendo mais de 230 mil votos face a 2019, e encolhe ao mínimo desde há 20 anos, quase ao início da sua entrada no hemiciclo. Confirma-se: os portugueses terão penalizado o que viram como uma irresponsabilidade: o corte do diálogo com o PS. A CDU fica à frente do Bloco mas também recua, e não é pouco: de 12 deputados para 6, deixando por exemplo de fora João Oliveira e António Filipe, que não conseguiu ser eleito por Santarém. Tanto BE como CDU tentaram empurrar para o PS o ónus destas eleições e dos maus resultados alcançados, sublinhando que está à vista o que sempre foi o objetivo de António Costa: livrar-se dos parceiros e governar sozinho.
Se Costa consegue a maioria absoluta, à direita do PSD há um Parlamento completamente diferente. A Iniciativa Liberal deu um pulo significativo, saltando de um deputado para 8 deputados e conseguindo mais de 268 mil votos. Mas o sinal mais preocupantes da noite é o reforço significativo da extrema-direita no hemiciclo, com o Chega a saltar para terceira força política e arrecadar 7,15%, 385 mil votos e um grupo parlamentar com 12 deputados.
André Ventura não alcança o meio milhão que conseguiu nas Presidenciais nem os 15% que chegou a sonhar, mas recolheu grande parte do voto de protesto, dos desiludidos e dos descontentes. Um eleitorado que pode ter-se esvaído do PSD, mas também do CDS e até mesmo da CDU e do Bloco em certas zonas do País. Assume-se como o líder da “oposição a sério no parlamento”. “António Costa, vou atrás de ti agora!”, grita no discurso de vitória. Será interessante de perceber como irá este grupo parlamentar sobreviver ao saco de gatos que mostra ser o partido, tendo em conta as lutas e divisões internas e a falta de cola ideológica que lhe é característica – e estava explícita num programa de governo de 9 páginas.
Na Liga dos Últimos, Rui Tavares consegue a proeza da eleição e Inês Sousa Real também. O eclipse total ficou para o CDS, que vai ficar de fora do Parlamento. Se um esquadrão de cavalaria à desfilada na cabeça de Francisco Rodrigo dos Santos não esbarrava, nas últimas semanas, contra uma dúvida – até já fazia promessas como futuro Ministro da Defesa –, afinal não conseguiu eleger nenhum deputado e teve de apresentar a demissão. Será este o triste o fim de um partido histórico que em tempos chegou a ter 46 deputados em 1976 e que em 2011, com Paulo Portas, ainda tinha 24? Temos de esperar pelo day-after para perceber.