A diferença que faz uma semana. Num ápice, António Costa passou de dez pontos de vantagem para um empate técnico com Rui Rio, que nalgumas sondagens está à frente. Se há escassos dias se podia dizer, com segurança, olhando as intenções de voto, que o PS seria o vencedor destas eleições legislativas, essa segurança evaporou-se. Não há favas contadas, está tudo em aberto. Esta é a corrida eleitoral mais renhida desde os anos 90 e, por isso, também a mais interessante.
Muitas razões explicam este estado de coisas. Se perguntássemos a opinião a um político inglês, atiraria com a sabedoria da House: “Não são as oposições que ganham as eleições, são os governos que as perdem.” Faz sentido: o desgaste da governação faz sobressair no eleitorado a vontade de mudança. Mais por demérito alheio do que por mérito próprio, estar no sítio certo na hora certa (ou seja, no principal partido da oposição), mais dia menos dia faz com que o poder caia ao colo do challenger. Depois de seis anos de governação socialista, uma pandemia e desentendimentos entre parceiros que soam a fim de ciclo, esta máxima parlamentar aplica-se por cá, é um facto – e a crítica foi feita amiúde por Paulo Rangel a Rui Rio: não basta esperar que o poder lhe caia de podre ao colo, é preciso ir atrás dele.
Rui Rio tem ido atrás, mas à sua maneira. Com a estratégia de comunicação de um homem médio, entre uma laracha aqui e um tweet com o gato Zé Albino acolá, a fazer passar-se pelo homem comum, simpático, honesto e sem artifícios, que diz que não é político mas que quer de ser primeiro-ministro. Colocou o PSD ao centro, elogiou os adversários à direita (porque um voto neles também lhe dá jeito), disponibilizou-se para encontrar soluções e preparou uma campanha à antiga, sem erros e sem espinhas. Apresenta um programa que chuta para adiante e promete o que for possível, logo se vê quando, depois de meter a economia a crescer não se sabe bem como. De quando em vez, saem-lhe as usuais tiradas assombrosas, como quando diz que, “em termos de eficácia, a Justiça piorou desde o 25 de abril”, descontando, vá lá, os “julgamentos políticos”. O Zé Albino, que consta que não percebe nada de tribunais nem de princípios fundamentais, não diria melhor…
Do lado do PS, pelo contrário, empenharam-se em ajudar a oposição nesta contenda. António Costa não é bom em campanha e abundaram os erros e os tiros nos pés. O jogo de passa-culpa com o fim da Geringonça não ajudou ninguém. Nem, sobretudo, a insistência na tecla da maioria absoluta pelo candidato a primeiro-ministro absoluto. “As maiorias absolutas não se pedem, conquistam-se!”, disse à VISÃO em 2019. Costa decidiu ainda assim pedi-la, mas há várias maneiras de o fazer: com hostilidade, fechando todas as portas, ou com dramatização, mas mantendo algumas portas abertas. Escolheu a primeira via, entrou a pés juntos com soberba e arrogância… e deu-se mal. É certo e sabido que do centro moderado para a esquerda a palavra “absoluta” causa urticária.
O resultado está à vista, e obrigou-o a enfiar a maioria absoluta na gaveta. Se na primeira semana de campanha, o mote foi orgulhosamente só, na segunda o tom é de mobilização do eleitorado, de harmonia com os adversários e de entendimentos. “Cada tempo é o seu tempo. É preciso construir pontes e falar com todos!”, disse vestido de Careto de Podence, a figura pagã com dupla personalidade, misteriosa. Nenhuma indumentária me parece mais oportuna para oferecer como solução a reedição do que correu mal, ou uma governação à Guterres, que segundo o próprio, “foi o que foi”.
Quando este texto for publicado, faltarão quatro dias para as eleições. Muito pode acontecer, ainda para mais com a enorme incógnita da abstenção por causa dos isolados. Há três semanas, José Miguel Júdice deu uma entrevista em que disse que “a probabilidade de Rio ganhar eleições é a mesma de me cair um meteorito em cima”. Alguém sabe se está prevista chuva de meteoros para domingo?