Todos os anos, por esta altura, há um choque frontal com a realidade. Contas feitas ao “deve e haver” do Estado, num exercício de cerca de 400 páginas, mais coisa menos coisa, fica bem plasmada para quem quiser ver a dimensão do nosso infortúnio: somos pobres, endividados, pouco competitivos e parecemos eternamente condenados a este voo baixinho. O banho de realidade só não é mais doloroso porque não chega a todos: a esmagadora maioria da população fica-se pelos grandes números dos Orçamentos do Estado, uns soundbites lançados convenientemente e as medidas que lhes afetam diretamente a carteira. O resto, a big picture, que é difícil de endereçar e de digerir mas é a mais importante de pensar, fica a pairar lá atrás como um fantasma que, ano após ano, década após década, se vai tentando ignorar.
O que acontece no Estado acontece um pouco por todo o lado: também nas empresas e nas famílias. Fazer orçamentos é gerir a arte do possível com os recursos existentes, já se sabe. É comum olhar-se a árvore anual e conjuntural e não a floresta estrutural, é humano concentrarmo-nos nos problemas imediatos e não pensarmos nos do futuro, sobretudo quando pensar no futuro dói, exige medidas complexas e pouco populares e implica consensos que parecem impossíveis de alcançar.