A decisão sobre confinar ou não confinar, abrir ou fechar o quê e como, que medidas ordenar e quais os detalhes envolvidos é sempre uma decisão política. Tem de se pesar os prós e os contras para o País e as várias variáveis deste “trilema”, sobre o qual já escrevi e que envolve os impactos na saúde, na economia e no ensino. Mas as decisões políticas, sejam em matéria de saúde pública ou, aliás, em qualquer outra, devem sempre assentar na melhor Ciência.
Acontece que, perante o maior desafio de saúde pública nacional com que somos confrontados num século, desde o início da crise pandémica que o Governo está mal assessorado para decidir como atuar com base nessa melhor Ciência. Isto é notório desde o início da crise, mas intensificou-se nos momentos das decisões importantes: confinar em março e janeiro, fechar e reabrir escolas, facilitar no Natal. Umas vezes tivemos sorte e a coisa correu bem, outras nem por isso.
É claro que ninguém tem uma bola de cristal, como sublinha a ministra da Saúde, para saber o que vai acontecer, mas há quem faça vida do estudo e das previsões com bases científicas. São essas as pessoas que o Governo tem de ouvir. E o modelo encontrado para o fazer – o das chamadas reuniões do Infarmed – é por demais evidente que não funciona. A ideia destas reuniões só tem uma vantagem: transparência. Mas falha em tudo o resto. De que serve a transparência sem a segurança?
Estas reuniões não são mais do que uma espécie de conferência, onde todos vão apresentar os seus pontos de vista. São audições técnicas, mas servem apenas para deixar ideias soltas, pontos numa folha em branco. Para unir estes pontos e traçar um desenho coerente de resposta, o Governo fica sozinho. E isso não faz sentido algum, por mais competentes que sejam os envolvidos.
Não se compreende que não exista um comité permanente para acompanhamento diário do estado da pandemia. Um órgão com os melhores epidemiologistas e especialistas de saúde pública, escolhidos a dedo, que têm de estar a tempo inteiro dedicados a este serviço, a monitorizar números, a avaliar as decisões, a estudar o que se faz noutros países e a trocar argumentos entre si, chegando a uma posição de consenso. E a fazer a síntese do que são as diversas perspetivas científicas sobre o tema. É com base nessa síntese que falta, e que ela própria tem de ser científica, que o Governo tem de atuar. Evitar-se-iam erros como, por exemplo, o do fecho tardio das escolas, em janeiro. Nessa altura, António Costa referiu que os especialistas se dividiam, quando existia um claro consenso científico que foi ignorado. Apenas um especialista em saúde pública – Henrique de Barros – aconselhava a manutenção das escolas abertas, o mesmo que já em março não as queria encerrar. Com uma síntese bem feita, isto não deveria ter acontecido ou, pelo menos, ficava claro que a decisão era apenas política e que só politicamente devia ser avaliada.
É isto que acontece em muitos países europeus. Na Alemanha, Angela Merkel foi sempre clara como água, desde o início. Leva uma vantagem: “Eu sou uma cientista e atuo com base na Ciência”, afirma. Mas, para isso, tem um comité científico em que se baseia: a Leopoldina. Fundada em 1652, é a mais antiga academia científica em operação contínua no mundo. Foi com base nos seus estudos que a Chanceler se orientou em todos os momentos cruciais e que definiu, desde o início, quais os valores a ter em causa para apertar ou facilitar medidas. No Reino Unido, é o SAGE, o Scientific Advisory Group for Emergencies, que inclui várias comissões técnicas, que aconselha o Executivo. Por cá, apesar das vozes lúcidas que para tal têm alertado, como o médico Constantino Sakellarides, essa referência fundamental continua a faltar.
Agora que estamos à beira de tomar novas decisões cruciais – quando abrir e como –, era bom emendar esta falha grave e, de uma vez por todas, garantir que estamos, cientificamente, mesmo no caminho certo perante o que se sabe a cada momento.