A ironia é uma fina arte. Não pode ser excessivamente sarcástica, porque arrisca-se a roçar o mau gosto; não pode ser demasiado leve, porque não se entende; não pode deixar de ter graça, porque vira um ato falhado. A ironia, tal como o humor e o dom da escrita, é daquelas competências que, por mais que se tente lá chegar, ou se tem ou não se tem. Não se ensina na escola (e muito menos na Escola Alemã, sei-o por experiência própria), não se herda geneticamente, não passa por osmose.
Há muito tempo que ficou claro que Rui Rio seguiu a estratégia de comunicação da abordagem do “homem médio”. Algo que usa como forma de se demarcar dos outros políticos, da qual faz parte a utilização amiúde das “boutades” em alturas chave, sem intelectualismos, que considera de esquerda, nem laivos do que considera ser um politicamente correto bacoco.
O resultado está à vista: o Twitter de Rui Rio é uma montra da ironia falhada – um repositório de embaraços. Não seria grave, caso Rui Rio fosse apenas só mais um cidadão sem gracinha nenhuma. Se não fosse também líder do principal partido da oposição e, como tal, principal candidato alternativo a primeiro-ministro, o Twitter de Rui era um daqueles sítios onde se vai passear para uns minutos de schadenfreude, para ver memes vivos e esbardalhanços na praça pública das redes.
Mas, sendo político, é bom de ver que o Twitter de Rui Rio é também uma montra… política. Um espaço de “venda” do homem, do líder e do candidato, e uma amostragem da sua inteligência, competência, perspicácia e capacidade de resposta. Um lugar onde as críticas aos opositores devem ser certeiras, os comentários devem ser oportunos, as propostas devem ser sólidas, e o sentido de estado – que pode e deve conviver com um apurado sentido humor – omnipresente.
Acontece que, infelizmente, pouco disto se encontra no Twitter de Rui Rio. Nesta montra de ironia falhada, Rui Rio mistura os louvores, parabenizações e marcações das efemérides costumeiras (nada contra), com parcas propostas alternativas que ficam enterradas entre muitos inoportunos comentários em cima da atualidade – verdadeiros tiros nos próprios pés, que chocam até o próprio eleitorado simpatizante PSD. Já vimos isto antes noutros líderes políticos que, com um smartphone na mão, ficam sem quaisquer filtros e deixam que o seu estilo frontal descambe num estilo, chamemos-lhe assim (para usar um eufemismo), desbragado.
Hoje tivemos mais um desses momentos inoportunos. A propósito de uma sondagem em que se saiu mal (algo que nunca deixa de assinalar com infelizes ironias), Rui Rio achou por bem tecer o seguinte comentário: “É mais do que evidente que, face aos últimos acontecimentos políticos, o Governo e o PS só podiam estar a subir. Mais uma morte no aeroporto e ‘a coisa’ vai à maioria absoluta. Força nisso!” Como se não fosse mau, acrescentou-lhe ainda um emoji festivo. Festa… num post onde ironiza com a morte de um cidadão às mãos do SEF.
Eu, cá por mim, não precisava da sondagem do Expresso para nada. É mais do que evidente que, face aos últimos acontecimentos políticos, o Governo e o PS só podiam estar a subir. Mais uma morte no aeroporto e “a coisa” vai à maioria absoluta. Força nisso! ???? https://t.co/iIlZqJvAJy
— Rui Rio (@RuiRioPSD) December 17, 2020
(Momento de pausa para respirar fundo e recuperar)
A somar a este, há tantos outros twitts infelizes, polémicos, populistas ou onde bate nos media de referência com total falta de espírito democrático ou poder de encaixe que o difícil é mesmo escolher. Além daqueles onde insulta jornais e jornalistas, deixo alguns exemplos:
- “Sobre o avanço do fascismo nos Açores, que temos hoje? Alguma novidade especial?”, aquando do acordo com o Chega nos Açores e em sintonia com André Ventura.
- “Pelos vistos, parece que a coisa esteve animada em Évora. Ainda bem. Isto também tem de ter um pouco de boa disposição, senão é uma chatice”, quando o líder do Chega disse que Sá Carneiro acreditaria nele.
- “Olha! Este acha que os sítios onde eu vou merecem um subsídio público.”, a propósito do programa do apoio aos média e a comentar uma entrevista do secretário de Estado Nuno Artur Silva.
Ou esta “pérola”:
Professora: Qual é a diferença entre um desastre eleitoral e um resultado jeitoso?
— Rui Rio (@RuiRioPSD) January 13, 2020
Zéquinha: 0,4%! Sra. professora!
Porque quando em Outubro o PS teve mais 8,5% do que o PSD, eles acharam que houve um desastre. E agora que perderam por 8,1%, acham que tiveram um resultado jeitoso
Das duas uma: ou a conta do líder do PSD foi hackeada por um twitterjacker do Chega ou da esquerda radical com o intuito de arrasar com o partido, ou alguém devia fazer um favor a Rui Rio, e sobretudo ao PSD, tirar-lhe os códigos de acesso e profissionalizar aquela comunicação com uma pitada de sentido de estado.