Imagine-se o jogo do cabo de guerra, aquele em que duas equipas puxam de cada lado de uma corda para ver quem sai vencedor. Em março, quando a pandemia chegou a Portugal e foi necessário aprovar o estado de emergência, todas as equipas estavam de um dos lados da corda. O terreno era escorregadio, o adversário poderoso, desconhecido e invisível, mas à custa de tantos braços e da aplicação uníssona da força, a luta foi mais simples. Hoje, no jogo do cabo da guerra, as equipas estão distribuídas pelas duas pontas da corda e cada um puxa para o seu lado.
O tempo dos consensos acabou pouco antes do desconfinamento. Em cada canto surgiu um gestor de crise, debaixo de cada pedra um especialista em saúde pública ou wannabe epidemiologista, um economista encartado. Apareceram, claro, os teóricos da conspiração, amplificados pelas redes, a desvalorizarem uma pandemia com efeitos devastadores na saúde pública de todo o mundo. Surgiram os contestatários carregados de convicções alimentadas a ignorância. Com o passar do tempo, todos se ocupam a berrar cada um para o seu lado.
Entre os dois valores em causa – a saúde pública e a crise económica e social –, as opiniões dividem-se. Há quem peça um regresso a todo o custo à nossa vida normal, porque economia está nas lonas. Há quem apanique porque vê uma pandemia imparável, exija a declaração imediata de um estado de emergência e de um confinamento geral. Normalmente, como em tanta coisa na vida, é no meio que está a virtude. Algures naquele ponto de equilíbrio do jogo do cabo de guerra, em que a corda fica ali a bailar entre forças, sem deixar resvalar para nenhum dos lados nem levar ao chão a equipa adversária.
Só que nunca foi tão difícil de conseguir este equilíbrio, e daqui para a frente será sempre a piorar. O tempo dos consensos políticos e sociais acabou. Não há, nesta altura, boas opções nem soluções unânimes. Não há remédios de efeito garantido sem efeitos secundários, que não sejam piores do que o problema, nem há minas de ouro que nos salvem da bancarrota. Estamos entre a espada do vírus e a parede da economia. Não adianta fingir que a espada não existe, nem vale a pena tentar empurrar a parede, porque ela não vai a lado nenhum. Sim, existe mesmo uma pandemia, que pode ser leve para a maioria, mas fatal para outros, e faz colapsar os sistemas de saúde. Sim, há muito mais mortes de outras doenças, mas se estes são os efeitos num mundo com planos de contingência tão apertados, seria o caos generalizado se não tivéssemos estes cuidados – com muito mais mortes Covid e não Covid. E não podemos fechar porque os efeitos serão ainda mais devastadores. Não há economia que aguente. Só há uma solução: afinar o que pode ser ainda melhorado – testagem e tracing dos infetados e debelação rápida dos surtos, com apoio a quem tem de ficar em isolamento profilático –, e resistir neste desconforto, com determinação e responsabilidade.
O nosso pior inimigo agora é a fadiga da pandemia. É compreensível: estamos fartos, saturados, preocupados. Mas não podemos desistir agora.