Há toda uma arte na condução de uma dança a par. Os passos sucedem-se ao sabor da música, e o espaço ocupado na pista tem de ser gerido com andamentos adiante, para o lado e à retaguarda. Conduzir a saúde pública em tempos de pandemia é mais ou menos como dançar um tango com um companheiro invisível, para variar das metáforas bélicas da guerra contra a Covid-19, mas em vez de sedução há uma atração fatal. Temos de conviver e de nos adaptar a este par que não foi convidado para a festa, e tentar conduzir a coreografia à nossa maneira tendo em conta os sinais que nos vai passando. O ritmo é o nosso companheiro invisível que dita, temos é de saber dançá-lo bem. Saber dar dois passos para a frente e um passo para trás.
Em maio, quando começou a reabertura, escrevi que quem pensava que o pior já tinha passado, estava enganado. O maior desafio para todos nós começou nessa altura. Porque desconfinar é muito mais difícil do que confinar, tal como proibir é muito mais fácil do que educar e sensibilizar. Entrar nas rotinas do dia a dia e viver num novo normal é a maior prova, quando tudo naturalmente nos puxa para os velhos hábitos e as velhas rotinas. Mais liberdade implica mais responsabilidade.
O grande aumento entre os jovens – número de novos casos quase duplicou desde o desconfinamento – começou a preocupar os infecciologistas, que alertam agora para o aumento de situações graves entre pessoas mais novas, muito graças aos comportamentos de risco que recomeçaram em força. 34% dos doentes internados no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, têm menos de 35 anos. Isto não é só uma doença que “mata velhinhos”, como se ouve dizer.
Foram agora necessárias medidas de contenção mais apertadas para a Área Metropolitana de Lisboa: prolongamento do estado de calamidade em 15 freguesias da Amadora, Loures, Odivelas, Lisboa e Sintra, com novas regras e coimas para os ajuntamentos, que agora são restritos a dez pessoas, e fecho antecipado de estabelecimentos.
Além de Portugal, outros países já deram ou estudam passos atrás: Espanha, País de Gales, Alemanha, Nova Zelândia, além da China, Japão e Coreia do Sul, que tiveram de reequacionar as medidas. Dar um passo atrás não é assumir uma derrota, mas assumir uma responsabilidade: quando abrimos já sabíamos que a situação teria de ser permanentemente reavaliada.
Vamos ter de nos habituar a viver assim: ao sabor do ritmo imposto pela evolução da Covid. E não é descabido pensar numa estratégia de desconfinamento que é diferente entre regiões, tendo em conta o risco de contágio e o valor de R0, que indica a taxa de reprodução da infeção, tal como acontece já, por exemplo, no país vizinho.
Há um ponto que nos deve alegrar nesta questão: o ritmo é ditado pela Covid-19, mas nós, coletivamente, podemos influenciar-lhe a cadência, o volume e os instrumentos incluídos na banda. Isso faz-se com regras, mas sobretudo com sensibilização, educação e informação. Temos de aprender a dançar esta dança. Está nas nossas mãos – e na forma como nos comportamos todos – fazer da Covid-19 um partner de dança manobrável e dócil. Não lhe podemos é pisar os calos que ela não gosta…