Esta história dava um filme. Uma coisa tipo Lobo de Wall Street, alta finança versão 4.0. O título podia ser “Elizabeth Holmes e o Unicórnio que se Evaporou”. Mas vamos começar pelo princípio, para chegarmos ao desfecho mais desolador e até irónico da história das startups mundiais.
Elizabeth Holmes a jovem empreendedora bonita e de olhos azuis angelicais, caiu logo que nem uma bomba nas graças da imprensa financeira. Afinal, a história tinha tudo para ser boa. Desde tenra idade que Elizabeth era apaixonada pelas ciências e investigação. O pai ainda guardava uma premonitória carta que ela escreveu aos 9 anos, em que dizia que o que gostava na vida era de “descobrir algo novo, algo que a humanidade não sabia que era possível fazer”. A biografia do seu trisavô dinamarquês Charles Louis Fleishmann, que era cirurgião, engenheiro e inventor, inspirou várias gerações da família e ecoou na sua cabeça em formação. Acabou por seguir medicina, mas desistiu do curso porque tinha medo de agulhas. Mas a investigação estava-lhe no sangue, e seguiu para Stanford para estudar engenharia química (que nunca chegou a concluir). Foi este medo de agulhas que, contou Elizabeth, a fez enveredar pelas pesquisas de métodos alternativos de análises clínicas.
E assim, com apenas 19 anos, fundou a Theranos, uma rapidamente badalada empresa sediada em Palo Alto, Silicon Valley, cuja descoberta prometia revolucionar o mundo do diagnóstico. O produto chamava-se Edison, um aparelho de análises sanguíneas muito barato que conseguia disgnósticos certeiros com apenas algumas gotas de sangue obtidas por uma picada no dedo. Era a democratização do acesso às análises clínicas, com tudo o que isso poderia trazer de benefícios em termos de saúde pública em todo o mundo. Depressa a empresa foi apontada como um unicórnio (na gíria financeira, as empresas startups com elevado potencial de crescimento que conseguem uma avaliação de mil milhões de euros). No verão de 2014, Holmes angariou financiamento de mais de 400 milhões de dólares dos investidores, o que valorizava a empresa em 9 mil milhões de dólares.
Tudo o que se escreveu e disse sobre Holmes, visto agora à distância, é de extrema ironia. Gastaram-se milhares de caracteres a comparar Elizabeth com Steve Jobs. Os dois eram “revolucionários”, “visionários”, “disruptivos” (essa palavra tão em voga). Os dois tinham desistido da universidade antes de acabarem os cursos porque não tinham mais nada a aprender por lá. Os dois usavam uma camisola de gola alta preta como uniforme (na verdade, ela diz que não copiou a imagem de marca de Jobs mas que se inspirou em Sharon Stone). Perdi a conta aos textos sobre Elizabeth que saíram em revistas de economia de referência internacionais. Foi eleita pela Fortune a mais nova “self made woman” milionária do mundo. A Sucess Magazine deu-lhe a distinção de “Achiever of the Year”. A Time elegeu-a uma das personalidades mais influentes do mundo. Recebeu em 2015 o prémio da Forbes de “Doer Under 30” (fazedora com menos de 30 anos), e ocupou o 121º lugar da lista dos mais ricos do mundo. “Acreditamos que a transparência dá poder ao indivíduo, e isso pode mudar o sistema”, disse na altura quando aceitou a distinção.
Caiu no goto do mercado, virou estrela da biotecnologia e o rosto feminino dos empreendedores de sucesso. Até ao dia em que o Wall Street Journal sai, em Outubro de 2015, com a revelação bombástica depois de um bom trabalho de investigação: afinal, a tecnologia usada pela Theranos não passava de uma miragem, alegando que a empresa tinha enganado tudo e todos acerca do grau de fiabilidade do diagnóstico e que sempre funcionou sem escrutínio científico. O principal diretor era um dermatologista e entre os administradores não havia ninguém com formação médica. A empresa começou a ser investigada pela SEC, a autoridade de supervisão dos mercados norte-americanos. Um mês depois, foi a vez do Washington Post denunciar tráfico de influências. Em Abril passado, analisando todas as denúncias de irregularidades nos métodos, as autoridades sanitárias propuseram que Holmes fosse banida por dois anos de deter um laboratório de análises. Afinal, a mulher que apregoava a transparência alto e bom som não passava de uma “aldrabona”.
Esta semana, foi a vez da Forbes reavaliar a fortuna de Holmes. E o que antes parecia valer 9 mil milhões de dólares afinal está reduzido a quase nada (pelo menos a esta escala). A revista reavaliou a empresa em 800 milhões de dólares, e a fortuna de Holmes (que detém 50% da empresa) em zero.
Moral da história? No mundo das startups e da alta finança, nem tudo o que parece é. Estes são investimentos extremamente arriscados – dizem as estatísticas que apenas 1,28% das startups têm possibilidades de se tornarem um unicórnio e em Silicon Valley apenas 10% destas empresas sobrevivem. (veja aqui uma infografia animada sobre como se constrói uma startup de sucesso) Muitas vezes, a euforia, na qual os media embarcam em todo o seu esplendor, com as empresas de base tecnológica que fazem investigação científica não passa de histeria sem sentido. E o velhinho jornalismo de investigação ainda serve para alguma coisa, nomeadamente para denunciar este tipo de devaneios alucinatórios coletivos.