Querida avó,
E num piscar de olhos chegamos ao fim de março. Como o tempo voa!
Como correu essa entrada na contagem decrescente para os 80 anos?
Daqui a um ano serás octogenária.
Estás contente com a nova formação do Governo. Mais ministras do que ministros. O caminho faz-se caminhando!
Vim novamente ao Porto.
Sabes a razão de chamar “Invicta” à cidade? Ou “tripeiros” aos portuenses?
Sabes que, no Porto, uma frigideira é uma sertã? Às cuecas, de homem, chamam truces, às peúgas, imagina, chamam coturnos. Picheleiro é um canalizador e bueiro uma sarjeta. Um afia-lápis é aguça, já assafar é apagar…
Visitei a Igreja de Nossa Senhora da Lapa, onde está guardado o coração de D. Pedro IV. Sabias que são precisas cinco chaves (guardadas por pessoas diferentes) para abrir o cofre que guarda esta preciosidade.
Fui também à magnificamente restaurada Igreja de Santa Clara. As térmitas levaram o antigo templo do Convento das Clarissas a um estado calamitoso. Mas recomendo-te vivamente a visitares este espaço numa próxima ida ao Porto.
Já que falas tanto em restaurantes, deixa que te diga que fui almoçar ao DOP, um dos espaços do chef Rui Paula. Gostei imenso da experiência gastronómica. Somos levados a uma viagem à cozinha de memórias das nossas avós, mas com o arrojo e elegância dos dias de hoje.
Referiste o Rui Veloso recentemente numa carta. Deixa que te diga que gostaria muito de levar-te à Casa de Chá da Boa Nova – outro espaço do Rui Paula.
Vou falar com Rui Moreira, o presidente da Câmara Municipal do Porto, para ver se recebem a tua exposição na Cidade Invicta. Assim como a exposição do Ruy de Carvalho. Isso é que era uma boa nova. Depois vamos celebrar o sucesso a este espaço. Caso contrário, tal como na canção do Rui Veloso, tenho que “empenhar o anel de rubi”. Não para te levar ao Rivoli, para te levar à Casa de Chá da Boa Nova.
Uma das expressões que mais gosto é o “Vai-me à loja” que quer dizer “Não me aborreças”. E como não te quero aborrecer “vou dar de frosques” antes que “te dê um fanico”.
Vou-me ali alapar-me (sentar) a ler.
Bjs, bom fim de semana.
Querido neto
Antes de mais quero dizer-te que a maior parte dessas palavras e expressões da “Língua do Porto” já eu sabia!
E outra coisa. Para mim, a Casa de Chá da Boa Nova onde, quando entramos, parece que vamos cair no mar, não tem a ver com o chefe que lá trabalha (claro que é importante) mas por ter sido uma das primeiras e grandes obras do arquiteto Álvaro Siza Vieira, que até recebeu um prémio internacional.
Mas acho que já falei muito do Porto e, por isso, hoje vou aqui falar de uma outra cidade, muito, muito longe do Porto – e só não digo já o nome porque senão a história perdia toda a graça.
Para já, juro que não inventei rigorosamente nada, foi tudo verdade e até tenho testemunhas.
Vim passar esta semana a Lisboa. Consultas de rotina, eleições, essas coisas.
Chego a casa, abro a minha caixa do correio e encontro uma carta dos CTT. A pedir-me, com uma certa urgência, que lá fosse porque era preciso desalfandegar (isto custa a escrever e a ler, desculpem…) um embrulho que tinha chegado para mim. O embrulho não tinha podido sair da alfândega e só eu é que podia fazê-lo, assumindo a responsabilidade total do que fazia. O papel dizia que o embrulho tinha ficado retido na alfândega porque havia fortes indícios de se tratar de objetos proibidos ou roubados, armas, drogas, coisas assim. Eu nem queria acreditar no que os meus olhos liam. Passei em revista todos os meus amigos e conhecidos e nenhum era ladrão, assassino ou drogado.
Mas depois reparei que a carta trazia, mesmo em baixo, a referência à proveniência: o tal embrulho tinha-me sido enviado… pela Biblioteca Apostólica da Cidade do Vaticano. Era um livro que me tinha sido enviado pelo Cardeal Tolentino Mendonça.
A funcionária dos correios também se fartou de rir – mas não tive outro remédio senão preencher uma data de impressos complicados, tudo on-line, e jurar que me responsabilizava pelo conteúdo do embrulho.
E pronto. Fica bem.
Bjs
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