Há um mundo antes, durante e depois do novo corona vírus. A comunidade organiza-se, a sociedade reinventa-se e a economia treme. Entre manifestações comoventes de humanismo e vestígios desoladores de um certo “salve-se quem puder”, tudo indica que testemunhamos um momento histórico com poder para reformular o modo como vivemos. Estamos neste ponto. Assumimos, sem hesitar, o sacrifício global em nome da proteção dos mais frágeis e dispomo-nos a arcar, todos, com as consequências. Mas o que virá daqui?
A sensação de quem está no arranque da sua vida, como eu, é a de um sprint que perde o sentido a meio. Trabalho no sector dos festivais, das artes, da cultura – uma das áreas mais atacadas a nível global, e, no entanto, tão essencial para levar ânimo às quarentenas de todos – mas, de repente, está tudo suspenso e em adaptação. Senhoras e senhores, o planeta segue dentro de momentos. Graças aos nossos avós e pais, a minha geração já não enfrentou grandes guerras, ditaduras ou fronteiras, e assim tem sido – até que um vírus veio provar, com um sopro, o quão frágil pode ser a paz do nosso pequeno mundo. Se o nosso mal já era a incerteza, a pandemia deitou-lhe fogo. Todavia, the situation is serious, but not hopeless. Vários são os filósofos, economistas e sociólogos a escrever sobre isto, com mais ou menos pessimismo, porém quase todos unânimes quanto ao facto de que, daqui, nascerá algo diferente. É, portanto, a nossa deixa, da minha geração: olhar em volta e tentar sintetizar o turbilhão de emoções em ideias que possamos levar para um futuro mais brilhante. É tempo de observar, antecipar e repensar a realidade d.C (depois de Corona), no sentido de garantir que saímos desta crise para um mundo melhor.
Deixando a futurologia para as entidades competentes – professores exóticos e bolas de cristal – importa, não prever, mas garantir que aprendemos com o embate, tentando mudar para um filme novo. A sensação é de obra embargada, mas não tem de ser. Sem telescópio, observam-se fenómenos impressionantes em esferas tão diferentes como a solidariedade e a economia, as artes e a política, a família e o ambiente, a educação e a saúde, o espaço público e as relações, a tecnologia e o trabalho, nos quais podemos e devemos inspirar-nos para o futuro. A Humanidade expõe o que tem de mais nobre em plena crise, mas é, ao mesmo tempo, obrigada a ver as suas mais profundas injustiças à luz do dia, recebendo pistas claras para a reconstrução. É sobre isso que vou refletir ao longo destas crónicas.