Dia 73.
Há um efeito colateral da pandemia que tem sido interessante de observar: assistir agora, de vários protagonistas políticos (e não só), a tomadas de posição diametralmente opostas ao que se defendeu no passado. Veja-se o caso de Wolfgang Schäuble.
Os portugueses lembraram-se dele por causa da postura muito crítica que manteve em relação aos países do sul durante a crise das dívidas soberanas. Durante vários anos, foi o rosto da austeridade na União Europeia, com as tomadas de posição que assumiu no Eurogrupo. O ex-Ministro das Finanças alemão (é presidente do Bundestag desde 2017), que em outubro de 2016 lastimava que “Portugal estava no caminho certo até eleger este novo governo”, chegou mesmo a fazer antever novo apoio financeiro face às opções que via como despesistas e irrefletidas. “Certifiquem-se que não precisam de um [novo] resgate”, disse irresponsavelmente, fazendo atiçar novamente os mercados contra um País que mal estava a tentar voltar a colocar-se em pé.
Mas parece que o Senhor Austeridade virou agora Senhor Compreensão. A atender à entrevista que deu ao Welt na edição de domingo, mudou drasticamente de opinião em relação à forma como deve a União responder a crises económicas e financeiras.
O mesmo que passou Centeno de besta a bestial – foi ele que um ano mais tarde lhe chamou “Ronaldo das Finanças”, epíteto que se lhe colou – veio agora defender com fervor o generoso plano de recuperação económica para os efeitos da pandemia na Europa apresentado por Merkel e Macron. Com argumentos que parecem ter sido proferidos por outro economista e fiscalista muito mais, digamos assim, expansionista.
Disse Schäuble que subsídios não reembolsáveis, ao invés de empréstimos para se pagar no futuro, eram necessários para lidar com um recuo económico como nunca vimos nas nossas vidas. “Empréstimos adicionais aos Estados Membros seriam pedras em vez de pão, porque muitos já estão severamente endividados”.
Eu gosto especialmente da frase: “Se a Europa quer ter alguma hipótese de sobrevivência, deve agora mostrar solidariedade e provar que é capaz de agir.” Para logo explicar que a solidariedade tem muito egoísmo à mistura, claro está: “Os alemães têm enorme interesse próprio em que a Europa se recomponha”.
Se foi um salto encarpado à retaguarda, um lapso de memória ou o tempo a dar boas lições de vida e de economia a velhos protagonistas da uma história triste, não sei. Sei que para perceber que uma união só sobrevive se souber conjugar o verbo solidariedade, mais vale tarde, do que nunca.