Dia 14.
Hoje andei às voltas com um nome difícil de pronunciar: Wopke Hoekstra. Mas para o caso pouco importa – vamos chamar-lhe o Inominável. O Inominável é um rapaz bem posto de 44 anos, militante de um partido cristão e democrata. Estudou direito em Leyden, política internacional em Roma, e fez um MBA no Insead em França e em Singapura. Uma formação que lhe deveria assegurar uma boa dose de humanismo, dir-se-ia. Só que não. O Inominável, que é também o ministro das Finanças holandês, personifica exatamente a falta dele.
Durante uma reunião de emergência do Conselho Europeu por videoconferência ontem, terá dito que a Comissão Europeia devia investigar países como Espanha, que alegam não ter margem orçamental para lidar com os efeitos da crise provocada pelo Covid-19, “apesar de a zona euro estar a crescer há sete anos consecutivos”.
Espanha tem neste momento mais de 64 mil casos de coronavírus, 4858 mortes e um país parado desde 14 de março. No atual contexto de desespero absoluto que a Europa, e em particular Itália e Espanha estão a viver – com sistema de saúde na rutura, pessoas a morrer por falta de equipamentos e economias devastadas pelos efeitos de um lockdown –, estas são, no mínimo, palavras ofensivas. Repugnantes, chamou-lhe um António Costa de cabeça perdida.
É fácil de perceber que o Inominável se está nas tintas para os fundamentos do projeto europeu. Provavelmente, leu com desdém as lições do seu compatriota holandês Johan Willem Beyen, um dos pais da Europa menos conhecido, que queria ver concretizado o ideal de uma região pacífica, unida e próspera. Defendia a aplicação paciente do método democrático, o espírito construtivo da concórdia e o respeito pela liberdade, máximas que é suposto durarem até hoje. Ou o Inominável desconhece, ou conhece e não quer saber.
Muitos já compararam o que vivemos hoje a tempos de guerra. Entende-se. Não fomos invadidos por um inimigo com um contingente militar, mas fomos tomados por um inimigo invisível comum. Com um poder destruidor avassalador. Que mata, destrói economias e derruba o ânimo geral e a esperança.
Perante isto, a resposta da Europa tem sido, até agora, um embaraço. Não atendeu às chamadas com pedidos de ajuda de emergência – vida ou morte (foi preciso virem a Rússia e a China oferecer equipamentos de proteção a Itália, acredita-se nisto?). Não se uniu numa resposta comum. Não preparou planos de contingência a pensar no bem comum dos 27. Limita-se repetir a fórmula falhada de 2009, que quase colocou a União à beira da rutura e deitou o Euro ao chão. E, com o desastre anunciado e uma crise humanitária a bater à porta, persiste-se no erro: recusam-se os Coronabonds e uma estratégia económica e financeira corajosa e solidária perante a crise.
A União Europeia deu lugar à Europa do Salve-se Quem Puder. É cada um por si. Que vergonha teriam Bayen, Churchill, Adenauer, Jean Monnet e Schuman… Este é o momento do agora ou nunca para o projeto europeu: não terá terceira oportunidade de provar a todos os cidadãos que serve para alguma coisa. Eu, que sempre fui uma europeísta convicta, começo com tristeza (e alguma surpresa) a vacilar. Porque se é isto mesmo a Europa… então falha no essencial e de pouco nos vale.