De há uns anos para cá, como é do conhecimento geral, as escolas de primeiro ciclo passaram a disponibilizar as chamadas atividades de enriquecimento curricular (AECs), que vieram alterar a tradicional divisão do horário escolar, em que os alunos ou tinham aulas da parte da manhã ou da parte da tarde.
Na verdade, com a idade da reforma a aumentar cada vez mais e os avós a terem de trabalhar mais uns anos do que era habitual, os pais deixaram de dispor desse apoio fundamental que permitia que os alunos tivessem aulas apenas numa das partes do dia, pois teriam com quem ficar. Ainda que não tivessem esse apoio, existiam ATLs a preços muito mais acessíveis do que os existentes nos nossos dias, perante a realidade inegável de que o poder de compra de grande parte da sociedade diminuiu.
Assim surgiram estas atividades, neste contexto. Contudo, será que, da forma como estão pensadas e como decorrem, efetivamente enriquecem o currículo dos nossos alunos ou terá o espaço escolar sido transformado num local monótono e pouco ativo? Ressalvando a aula de educação física, muito importante por todos os motivos que conhecemos, todas as outras aulas parecem prolongar o tipo de ensino que as crianças já conhecem ao longo de todo dia, não sendo evidente que exista uma articulação ordenada com as demais atividades, inclusive com as do professor titular. Não seria muito mais interessante e enriquecedor se esta articulação fosse efetivamente existente? Parece-me que sim.
Paralelamente, questiono o modelo em que estas atividades decorrem. Após horas sentados numa cadeira, não será cansativo e monótono para as crianças passarem mais umas tantas horas dessa mesma forma? Na minha opinião, a resposta é clara. Seria muito mais interessante que o espaço em que estas atividades decorrem fosse outro, mesmo ao ar livre quando tal fosse possível, ainda que, claro, dentro do recinto escolar, para que as crianças pudessem mudar de ambiente e ganhar um entusiasmo renovado por novas aprendizagens.
Sou também de opinião de que as atividades ao dispor deveriam privilegiar áreas não trabalhadas com o professor titular. Na verdade, na maioria das escolas, os pais não possuem um leque de atividades de entre as quais podem selecionar as que consideram mais relevantes para os seus filhos. Efetivamente, de uma forma geral, existem três atividades já estabelecidas pela escola/agrupamento, sem que os pais possam efetuar qualquer escolha mediante os gostos ou aptidões dos seus filhos, nunca esquecendo que as crianças precisam (e muito!) de brincar! Tenhamos em mente que muitas destas crianças estão na escola das 9h às 17h, saltando depois para as atividades de prolongamento, permanecendo o dia todo no recinto escolar. Claro que muitos pais saem tarde dos seus empregos e não têm qualquer hipótese de fazer de outra forma e nunca deverão ser julgados por isso. Por isso mesmo, acredito que a própria organização das atividades que decorrem na escola, ao longo do dia, deveria ser, a curto prazo, pensada de forma mais cuidada, com mais verbas do orçamento do Estado aplicadas na educação e nas escolas.
Perante toda a polémica presentemente existente e que envolve a carreira docente, começo a pensar que se não existem tantas outras questões como esta que precisam de ser avaliadas e encaradas de outro prisma, para que não tenhamos um ensino de faz de conta e monótono, que transforma as atividades de enriquecimento curricular em ATLs gratuitos, ou qualquer coisa semelhante. A escola pública tem o dever de oferecer mais e melhor. É importante, de facto, enriquecer o currículo, mas com atividades mais atrativas e desafiantes.
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