O braço de ferro entre Governo e eleitores está ao rubro, mas tenho para mim que as greves já não derrubam governos, mas apenas governantes. Governantes que parecem viver num Portugal que não corresponde ao país de quem está nas ruas. E digo “parece” porque dos 18 ministros que compõem o governo, o mais velho tem 70 anos (ministro da economia) e o mais novo 35 (ministra da habitação). Os restantes estão nas faixas etárias dos 50 anos (12 ministros), 40 anos (4 ministros) e 60 anos (o primeiro-ministro).
Olhando para a origem, vemos que nove destes ministros são de fora de Lisboa. Por exemplo, o ministro da Educação nasceu em Setúbal, a ministra da Habitação em Caminha, a da Defesa Nacional em Portalegre e o ministro da Administração Interna em Baião. Tudo isto para dizer que a maioria dos governantes da nação cresceu e foi educada num sistema de ensino desde sempre em revolução, mas onde os programas por que estudou pouco evoluíram face aos programas que os filhos estão a seguir.
Os problemas da classe docente são os mesmo desde sempre. Quem não se lembra do professor que era do outro canto de Portugal, que estava deslocado na escola? Com toda a certeza muito poucos. Se tirar desta equação os ministros naturais de Lisboa, que eventualmente estudaram em colégios privados, provavelmente teremos no Governo ministros que lutaram enquanto alunos contra a Prova Geral de Acesso, ou que não tiveram aulas devido à greve dos professores ou do pessoal auxiliar. Então, porque não construir diferente? Afinal, com o poder vem a responsabilidade e todas as semanas se sentam com os pares em Conselho de Ministros.
Nas ruas, os professores (que não consigo apelidar de grevistas) vão desfiando o seu rol de queixas. São as mesmas desde sempre. Mas agora há uma nuance diferente: A existência de um sindicato novo que está a mobilizar (como nunca) uma classe que tem a missão de moldar as novas gerações. Novos rostos que estão a levar os encarregados de educação, muitos deles também em luta, a apoiarem a causa.
Num braço de ferro onde até agora não há vencedores, apenas demissões ou afastamento de ministros e professores a abandonarem a profissão, as reivindicações, algumas transversais ao pessoal docente e não docente, estão no topo da agenda de quem luta. Mas, parecem não estar no topo da agenda de quem governa.
Pergunto-me quantos governos mais terão de existir para que miúdos como o Luís, de quem falei na semana passada, não sintam “Portugal nunca me deu nada. Não tenho de devolver nada”?
As greves não se ficam pelos docentes.
Na TAP, a greve dos tripulantes levará ao cancelamento de 1316 voos. Na justiça, os funcionários judiciais admitem parar durante fevereiro e março e, eventualmente, prolongar o protesto até abril. Os trabalhadores do Instituto dos Registos e do Notariado, os maquinistas da CP e da Metro Sul do Tejo, os da Infraestruturas de Portugal também pararam e admitem novas paralisações. Pelo meio, os trabalhadores portuários mostraram o seu descontentamento e o quanto a indústria agroalimentar depende do seu trabalho. Os agricultores, que se têm manifestado de forma contida, também começam a dar sinais mais sonoros.
Nunca como hoje se escrutinou tanto. Mas o Governo assobia para o lado e parece andar feliz a anunciar o lançamento de programas, construções e afins, dos quais, depois, nunca se conhece o produto final. Isto enquanto aguarda pela descoberta de mais uma minhoca (escândalo) após um jornalista levantar nova pedra.
Os professores são construtores de futuros. Até quando irá o ministro que os tutela, que tem 50 anos de idade, que eventualmente se manifestou por causas encabeçadas pelos da sua geração, continuar surdo na mesa de negociação? E até quando conseguirão os seus pares de governo conter o descontentamento nas respetivas áreas?
Uma coisa é certa, os sindicatos têm sangue novo, a classe trabalhadora procura para lá da linha do horizonte, e o mecanismo de escrutínio levará a que cada vez seja mais difícil levar para o governo pessoas de fora do círculo do cartão e do aparelho. Tudo isto num país que cresce menos do que os países restantes da União Europeia, num país que não cativa os seus jovens a continuarem por cá.
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