A operação de restituição da soberania energética à Europa está em marcha. Desde a invasão da Ucrânia, ficou claro que era necessário acabar, o mais depressa possível, com a importação de combustíveis fósseis da Rússia. E que era ainda mais urgente deixar de pagar quase mil milhões de euros por dia pela energia fornecida por Moscovo, que permite manter fábricas a funcionar e as casas dos europeus aquecidas. Era também imperativo, por razões de princípio, eliminar a situação de dependência que grande parte da União Europeia tinha para com o regime autocrático que Vladimir Putin dirige no Kremlin. E ainda mais urgente, ouve-se e lê-se tantas vezes, que a democracia prevaleça sobre as autocracias…
Perante todas estas urgências e em defesa, presume-se, dos superiores interesses da liberdade – que nunca podem ser trocados por nada, diz-se –, o que está a fazer a União Europeia? A resposta é inquietante: vai substituir grande parte da energia que importava da Rússia, que está em 126.º lugar no Índice Internacional de Liberdade, pela que vai passar a comprar ao país que surge, nessa mesma lista elaborada pelo Cato Institute, no… 127.º posto. O contrato foi firmado esta semana, com pompa e circunstância, por Ursula von der Leyen numa deslocação a Baku, onde se encontrou com o Presidente Ilham Aliyev, o homem que dirige o Azerbaijão desde 2003, depois de ter herdado o poder do seu pai. E para que não restem dúvidas sobre o nepotismo vigente no país, o próprio Aliyev nomeou, em 2017, a sua mulher para vice-presidente.
Este acordo surge na mesma semana em que o Presidente francês, Emmanuel Macron, estabeleceu uma série de parcerias sobre energia com o seu homólogo dos Emirados Árabes Unidos – um país do Golfo Pérsico que, no mesmo Índice Internacional de Liberdade consegue a proeza de ainda surgir mais abaixo do que a Rússia e o Azerbaijão: em 131.º lugar.
A realidade é indesmentível. Quando se avaliam os principais relatórios sobre liberdade, democracia e direitos humanos, produzidos por organizações sérias e independentes, o Azerbaijão e os Emirados Árabes Unidos aparecem sempre classificados como iguais ou piores do que a Rússia de Putin. É assim no índice de liberdade, como também é no Index da Democracia, da Economist, bem como no da Liberdade, da Freedom House. E a conclusão só pode ser uma: para se libertar da dependência do gás de uma autocracia, a Europa está a estabelecer novas dependências com outras autocracias.
De forma assumidamente cínica, podemos sempre considerar que estamos apenas a viver mais um capítulo da chamada Realpolitik, o termo cunhado para justificar as relações de poder baseadas nos interesses mútuos, mesmo que temporários, independentemente dos princípios e valores de cada nação. Convém, no entanto, não ter memória curta. E recordar que, por exemplo, foi também essa mesma Realpolitik que levou grande parte dos países europeus a aumentar a sua dependência energética da Rússia, mesmo depois de Putin ter decidido, em 2014, invadir e ocupar a Crimeia.
Será que os autocratas são todos iguais? Neste caso, a resposta da Europa faz lembrar Orwell: há uns que são mais iguais do que outros.