Portugal é um país a várias velocidades e começa a notar-se que sempre que um setor está em velocidade cruzeiro há sempre algo que o faz encalhar. A Saúde é um desses exemplos.
Há exatamente um ano o Tribunal de Contas concluía que “os hospitais em Parcerias Público-Privadas (PPP) de Cascais, Braga, Vila Franca de Xira e Loures estão plenamente integrados no Serviço Nacional de Saúde”. O mesmo Tribunal informava que “a gestão clínica privada dos 4 hospitais gerou poupanças efetivas para o Estado”, entre 2014 e 2019, e que era positiva “a avaliação do desempenho das PPP na componente da gestão hospitalar, quer na ótica do Estado, entidade contratante, quer na ótica das avaliações externas independentes por ele promovidas”.
Mas, na prática, um a um, os antigos hospitais PPP têm vindo a desaparecer. E, um a um têm entrada em colapso. Veja-se o caso do hospital de Braga, antiga PPP com o Grupo Mello Saúde, onde o tempo de acesso a cirurgia é de 3,5 meses e há mais de 41 mil utentes a aguardar por uma primeira consulta de especialidade. Veja-se o caso do hospital de Vila Franca, também antiga PPP com o Grupo Mello Saúde, onde os doentes que necessitam, por exemplo, de cirurgia de urologia esperam mais de 13 meses pela operação. Admire-se o caso do hospital de Loures, antiga PPP com o Grupo Luz Saúde, onde os doentes esperam mais de 12 horas para serem atendidos. Aqui, e para fazer face há falta de médicos, o governo acaba de assobiar a sua melhor música e autorizar em concurso de mobilidade a abertura de 202 vagas da carreira médica ou carreira especial médica, e “enviar” uma médica afeta a Santa Maria para dirigir anestesiologia e o hospital de Loures. Esta médica/gestora vai poder contratar médicos a 60 euros/hora, o dobro do tabelado no SNS para especialistas.
Se olharmos para o panorama geral, a saúde da Saúde em Portugal não é melhor. Os restantes hospitais portugueses, que nunca tiveram estatuto de PPP, não estão a conseguir responder às necessidades da população. Ao nível das unidades de Saúde Familiar… 1.2 milhões de portugueses não têm médico de família.
O barco Saúde está encalhado e a tripulação a hiperventilar. Mas, o Chefe de Governo, que leu o relatório do Tribunal de Contas, onde constava que a gestão clínica privada das quatro unidades gerou poupanças efetivas estimadas em 203,3 milhões de euros, que as PPP hospitalares foram genericamente mais eficientes do que a média dos hospitais comparáveis, é o mesmo que uniu forças ao PCP e BE para acabar com algo que corria de feição.
Esta situação poderia ser mais uma distração do governo e dos “antigos camaradas”, não fosse a sua gravidade e não houvesse no país milhares de portugueses a aguardar a sua vez para ir ao médico, a aguardar mais de um ano pela execução de um exame ou cirurgia urgentes. Poderemos sempre dizer que a culpa é da pandemia, que levou os hospitais a um esforço para lá do normal, que não houve capacidade de discernir que a Covid necessitava de centros e hospitais especializados, preservando os hospitais para outras doenças. Não me iludo com estas justificação, pois mesmo no pico da Covid o cancro não tirou férias, as outras doenças não fizeram greve.
A Saúde em Portugal está doente e não ter a coragem de retomar o modelo de PPP mostra o desnorte de quem nos governa. E, disso deu eco muito recentemente Adalberto Campos Fernandes, antigo ministro da Saúde de António Costa, ao considerar que o Estado não tem capacidade para competir com o setor privado e que a solução para a enfermidade da Saúde passa por contratos de cooperação mais efetivos e novos modelos de carreiras profissionais. Aconselhou mesmo a pensar fora da caixa e “encontrar soluções baseadas, por um lado, num modelo mais mobilizador de projeto profissional, mas também em modelos de cooperação que fossem mais efetivos”.
O setor da Saúde merece mais e deve ser tratada por especialistas dos mais diversos ramos. Para isso, há que ter a coragem política e pensar para lá da ideologia. Há que retomar práticas que já demonstraram ser ganhadoras ou outras ainda por inventar, mas que garantem que “todos têm direito à proteção da saúde”. Afinal, como diz a própria Constituição “para assegurar o direito à proteção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado” (…) “garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação”. Se este garante tiver de ter o cunho de privados, que até dão lucro, que tenha. No final do dia quem tem de ganhar é o cidadão, que também é utente ou doente ou cliente – é uma questão de terminologia.
Os portugueses manifestaram-se recentemente e o cartão dado aos partidos que defendem um “Estado pai” foi “cartão vermelho”. Tenha o partido do governo a coragem para fazer “marcha atrás” numa decisão do anterior mandato e, acredito, a Saúde ainda vai a tempo de “ser de ferro”.
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