Na primeira metade do século XX, a Europa esteve por duas vezes à beira do suicídio, quando o continente foi palco das duas grandes guerras mundiais que existiram até hoje. Entre o início da primeira em 1914 e o fim da segunda em 1945, morreram na Europa 150 milhões de pessoas. O continente ficou devastado e à beira da exaustão, o sofrimento humano foi indizível e a recuperação económica e social demorou décadas. A causa das guerras foi o nacionalismo fanático, as rivalidades e lutas intestinas entre as potências europeias, os egoísmos nacionais, as doutrinas xenófobas e racistas que semeiam o ódio contra o outro e a exclusão do outro. O resultado foi uma coleção de ruínas e um retrocesso civilizacional. Foi por isso que a iniciativa no fim da Segunda Guerra Mundial de alguns líderes europeus visionários de criarem a Comunidade Europeia se transformou num projeto político extraordinário e decisivo para termos paz e cooperação na Europa, evitar novas guerras e criar as bases para um novo ciclo de prosperidade e bem-estar.
Mas todo este paradigma começou a mudar no século XXI com a erosão da ordem internacional que saiu do fim da Guerra Fria, com a emergência de potências como a China e a Rússia que querem rever a ordem existente e redesenhá-la e com a cascata de crises económicas, financeiras, sociais, climáticas e ambientais, que debilitaram o funcionamento das sociedades, criaram ondas de ressentimento e exasperação e exigem novas respostas. Com a mudança do jogo geopolítico mundial e a incapacidade de o sistema internacional responder aos novos desafios, criaram-se condições para trazer de volta à Europa os seus velhos demónios, e a invasão da Ucrânia, perpetrada pela Rússia no dia 24 de fevereiro, é o maior e o mais preocupante sintoma dessa mudança do ciclo geopolítico.