Será injusto dizer que foi Paulo Rangel quem introduziu no debate público a ideia de que Portugal tem o elevador social avariado. Lembro-me em particular do discurso de 10 de Junho de João Miguel Tavares, mas muitos mais foram os que, particularmente na área liberal, têm chamado a atenção para o tema nos últimos anos. Ainda assim, seria pena que, derrotado o candidato à liderança do PSD, a ideia fosse agora parar ao caixote de lixo da História. O País não pode dar-se a esse luxo.
Desde logo porque não temos, na escola pública, um instrumento minimamente eficaz para resolver o problema. Em Portugal, todos os estudos o comprovam, esta não cumpre qualquer papel de equalizador social. Bem pelo contrário, o ambiente socioeconómico continua a ser um fortíssimo preditor do sucesso escolar. Basta olhar para os testes PISA 2018 para constatar isso mesmo.
Depois, é bom relembrar que o País está há 20 anos estagnado do ponto de vista económico. É, aliás, o que normalmente acontece quando se imagina que a única função das políticas públicas é a de redistribuir indefinidamente, uma e outra vez, uma riqueza que não existe e que se imagina poder ser criada por decreto. Ora, como é bom de ver, a seguir a uma escola disfuncional, nada é mais inibidor de uma evolução social ao longo da vida do que um ambiente macroeconómico que não é gerador de oportunidades ou de empregos de qualidade, com uma fiscalidade asfixiante, sem estímulos de qualquer ordem para fazer mais e melhor. Ou alguém acha que é por acaso que 30% dos jovens portugueses, de acordo com um estudo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, declaram querer emigrar?
Finalmente, porque, a somar a este fracasso estrepitoso da escola, a somar a este contexto económico paralisante e medíocre, há ainda que contar com as dificuldades inerentes a um País pequeno, ainda largamente paroquial e sobretudo com elites endogâmicas que tendem a perpetuar, de geração em geração, pequenos ou grandes privilégios (no acesso ao mercado de trabalho, na progressão nas carreiras, no acesso às várias estruturas de poder) que pouco ou nada têm que ver com a ideia de esforço ou de mérito.
Portugal padece de várias maleitas e seria deprimente elencá-las a todas. Mas vale a pena aproveitar o ensejo e vale a pena que nos fixemos, por um momento que seja, nesta particular doença. Tenho para mim que não há fonte maior de desesperança do que a ideia de que as nossas opções de vida (ou, ainda mais doloroso, as opções de vida dos nossos filhos) estão severamente limitadas pelo meio social em que tivemos a sorte ou o azar de nascer. Nada é mais injusto e nada é mais pernicioso para a vida de uma comunidade. Tão ou mais grave, nada é mais corrosivo para a própria saúde de uma democracia. Porque esta será sempre coxa, será sempre mais formal do que substantiva, se esta injustiça original não for corrigida pela escola, por um ambiente económico gerador de oportunidades ou por uma cultura talhada para servir de contrapeso aos reveses genéticos da fortuna.
Paulo Rangel não será líder do PSD. Por maioria de razão, não será primeiro-ministro. Rui Rio ganhou com mérito umas eleições internas em que poucos lhe deram o devido crédito. Isto dito, seria bom, repito, que com o bebé não fosse a água do banho. Rangel teve o mérito de fazer deste tema uma bandeira do seu projeto político. Rio tem a oportunidade de a recuperar e fazer sua.
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