Constitui uma certa deformação da essência de umas legislativas transformá-las numa espécie de eleição para a escolha do chefe de governo. Mas é o que acontece. E, nesta ótica, com legislativas tão próximas, nunca umas eleições internas para a escolha de um líder partidário seriam naturalmente tão influenciadas por esse facto. E, no entanto, parece não ser o que está a suceder, apesar de as sondagens darem uma clara preferência dos eleitores por Rui Rio, em relação a Paulo Rangel – os eleitores em geral e os do PSD em particular. Mas uma substancial maioria dos quadros mais conhecidos do PSD apoia Rangel e aquela realidade está estranhamente afastada de entrevistas e debates.
O próprio Rio não tem utilizado os argumentos a seu favor resultantes das ditas sondagens, preferindo afirmar que Rangel não tem preparação, nem tempo para se preparar, para ser primeiro-ministro. Mas então para a ter é preciso ser líder do PSD? Não faz sentido. O que poderá fazer, mas isso Rio, que eu saiba, não refere, é a diferença entre ter a experiência de gestão/administração pública de presidir à segunda maior câmara do País 12 anos e a de ter sido secretário de Estado da Justiça durante uns meses.
Terá então grande importância para a escolha de sábado a comparação entre os programas dos dois candidatos? Também creio que não – e é aqui impossível apreciar as muitas semelhanças e as não muitas diferenças entre eles. Saliento apenas que ambos os programas, apesar de, como se compreende, serem bastante genéricos, decerto ganharam em ser coordenados por pessoas com o “nível” de David Justino, por parte de Rio, e Poiares Maduro, por parte de Rangel.
A (aparente?) vantagem interna de Rangel decorre sobretudo, se bem avalio, de uma muito maior utilização/exploração do clubismo partidário e agressividade face ao inimigo externo. E da forma de atuação ou dificuldade de relacionamento de Rio, que o leva a perder apoios. O que também resulta de algumas das suas qualidades: defender o que considera melhor para o País, embora não agrade ao partido; dizer o que pensa, mesmo que isso politicamente o prejudique; não cultivar a máquina partidária, que em geral está contra si, etc… Qualidades que, porém, por excessos ou teimosia, por vezes passam a ser, em simultâneo, defeitos – de par com outros que tem. Um político de facto diferente, com uma imagem de seriedade e sinceridade que constitui um dos seus trunfos eleitorais ao nível do País, como o foi no Porto.
Outro trunfo de Rio, em relação a Rangel, que faz dele candidato com possibilidade de ter melhor resultado nas legislativas, é admitir claramente a necessidade de, sem bloco central, haver diálogo e entendimento entre PSD e PS para, no caso de os resultados eleitorais o exigirem, não ser inviabilizada a constituição de um governo. Uma das coisas que os portugueses mais desejam agora é estabilidade política, e enquanto a posição de Rio aponta nesse sentido, a de Rangel não, o que só prejudicará eleitoralmente o PSD. Tanto mais que é óbvio ser uma fantasia dizer, como faz Rangel, que o seu objetivo, alcançável, é a maioria absoluta!…
Digamos que Rangel é ou está a ser muito mais político do que Rio, na aceção vulgar do termo. Com capacidade intelectual e política, e boa formação jurídica, não esqueço como teve a coragem, na sua intervenção de despedida do Parlamento, quando foi para a Europa, de apontar o meu querido amigo, capitão de Abril, Marques Júnior, como símbolo do deputado exemplar. Nem esqueço o que sobre ele de elogioso me disse, quando surgiu na política, outro meu amigo e colega, o (excelente) constitucionalista Joaquim Gomes Canotilho… Mas, na circunstância, não me parece que esteja a seguir o melhor caminho, exceto, muito provavelmente, para ganhar as eleições de sábado. E depois?