Frederik Willem de Klerk fica para a história como o último presidente branco do regime sul-africano de apartheid. Mas a história vai guardar o seu nome numa nota de rodapé, ao contrário de Nelson Mandela que se tornou um dos maiores ícones da política global, e com toda a justiça.
Se Mandela foi um verdadeiro revolucionário no sentido de surpreender o mundo desde o momento da sua libertação, pela atitude madura de perdão pessoal e a sua política de reconciliação nacional, é bom não esquecer que foi De Klerk quem abriu a porta a essa mudança profunda na áfrica austral.
Recorde-se que apenas um ano depois de ter assumido a presidência do Partido Nacional (PN), em 1990, teve a coragem de anunciar no parlamento de Pretória que o Congresso Nacional Africano (ANC) e outros partidos e movimentos de libertação cuja actividade política se mantinha proibida até aí, passariam a ser permitidos e chamados à participação na política do país.
Mas o passo maior de todos terá sido a libertação de Nelson Mandela sem quaisquer condições prévias, permitindo que o líder do ANC regressasse à vida familiar e pública depois de ter permanecido preso durante 27 anos, em condições muito duras e por razões essencialmente políticas.
De Klerk entendeu que Mandela seria a única figura com a qual poderia vir a estabelecer conversações políticas com vista à abertura de um regime obsoleto, que estava bloqueado e acossado a nível internacional devido ao apartheid, numa rota de flagrante atropelo aos direitos humanos. Essas negociações decorreram entre 1990 e 1994 e desembocaram nas primeiras eleições democráticas, universais, livres e justas, que elegeram o primeiro presidente negro da África do Sul. Mandela seguiu depois uma política de reconciliação nacional que surpreendeu o mundo, sempre inspirado e apoiado pelo arcebispo anglicano Desmond Tutu, que evitou o banho de sangue que se temia.
Todo o processo é ainda surpreendente, até porque De Klerk sucedeu no poder branco a Roelof Frederik “Pik” Botha, talvez o maior falcão do regime e ardente defensor do apartheid, o que torna a atitude dele ainda mais surpreendente.Concluída a obra da sua vida retirou-se da vida pública poucos anos depois.
Mas antes dele registou-se caso idêntico noutra região do mundo.
A União Soviética (URSS) estava em crise crescente há muito, agravada por uma gerontocracia decadente, até que o “jovem” Gorbachev chegou ao poder no Kremlin, em 1988. Rapidamente começou a estabelecer pontes com os países fora da órbita comunista e a trabalhar para pôr fim à guerra fria.
Encontrou-se várias vezes com Ronald Reagan até estabelecerem um acordo para desactivar os mísseis soviéticos e americanos de médio alcance na Europa. Retirou as suas tropas do Afeganistão em 1988, pressionou Cuba para retirar as tropas de Angola e o Vietname para fazer o mesmo no Cambodja. Pode-se dizer que, no final dos anos 80 e inícios de 90 de certo modo deu liberdade a vários países da Cortina de Ferro para caminharem em direcção à democracia e à economia de mercado livre, não permitindo que as tropas soviéticas interferissem ao contrário do que sucedera no passado na Hungria (1956) ou Checoslováquia (1968).
O Ocidente reconheceu os elevados serviços prestados por estes dois homens. Mikhail Gorbachev recebeu o Nobel da Paz em 1990, por ter trabalhado para acabar com a tensão mundial da Guerra Fria, e De Klerk, juntamente com Mandela, receberam o seu em 1993 pelo trabalho de ambos pelo fim do apartheid e a evolução política democrática na África do Sul.
Mas apesar do respeito mundial Gorbachev é hoje uma espécie de pária no seu país e De Klerk viveu na irrelevância mediática até à sua morte recente. De Klerk, Gorgatchev e outros surgem aos olhos do mundo como vencidos da História. Mas a verdade é que revelaram grande visão política ao se aperceberem que se situavam do lado errado dessa mesma História, e tiveram a coragem de fazer algo para corrigir o rumo.
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