A OCDE publicou recentemente o seu relatório anual “Health at a Glance”, que retrata de forma multifacetada a situação de saúde de cada país membro. É um documento importante que aborda diferentes temas, que vão da qualidade dos cuidados ao financiamento, dos recursos disponíveis ao acesso dos cidadãos, do estado de saúde da população à análise específica do envelhecimento. Portugal, como é regra nas últimas décadas, compara-se relativamente bem na maioria dos indicadores ou das perspetivas utilizadas, o que apenas confirma a bondade da opção política tomada na Constituição da República de 1976, ao considerar a saúde um domínio de intervenção privilegiado do Estado, numa base de universalidade, de equidade e de solidariedade entre todos os portugueses.
- O estado de saúde geral
Portugal ocupa uma posição cimeira quanto à esperança de vida à nascença, evoluindo dos 67 anos em 1970 para os 81,8 em 2019. Estamos melhor que a média dos países da OCDE (81 anos). Também estamos melhor que a média da OCDE na taxa de óbitos por causas evitáveis, com 109 casos por 100 mil habitantes, contra 126. Ocupamos a 6ª melhor posição entre os 38 países analisados, quanto às mortes atribuídas a ataques cardíacos e outras doenças isquémicas correlacionadas, com cerca de 50 casos por 100 mil habitantes, contra mais do dobro da média da OCDE (103). O inverso se passa quanto aos AVC, em que apresentamos um valor próximo dos 70 óbitos por 100 mil habitantes contra 55 da média da OCDE. Só oito países têm piores resultados do que nós. Todavia, assinala-se uma evolução muito positiva nos últimos 20 anos, com menos 67% de casos, melhor que a evolução dos países da OCDE.
Quanto ao cancro, em todas as suas formas, a incidência em Portugal é mais baixa do que na média da OCDE (262 por 100 mil habitantes em 2020, face a 294) ocupando Portugal a 15ªposição no contexto dos 38 países em análise. Já na diabetes estamos nos últimos lugares da tabela, com uma prevalência de 9,8% da população afetada, valor que compara com 6,7%, na média da OCDE.
A nossa taxa de mortalidade infantil, em 2019, foi de 2,8 óbitos por mil nados-vivos, que comparam com 4,2 na média da OCDE. É um dos melhores resultados a nível mundial, neste caso à frente da Áustria, Alemanha, Dinamarca, Austrália, Israel ou Suíça, só para dar alguns exemplos mais expressivos. Este indicador é frequentemente utilizado como sinal do desenvolvimento económico de cada país, pois para o seu resultado concorrem fatores ligados ao sistema de saúde, mas também outros, ligados à educação, ao nível de vida, às condições de habitação e de trabalho, aos apoios sociais,etc.
- Acesso a cuidados de saúde
Em Portugal, 2% da população reportou em 2019, necessidades de saúde não satisfeitas,ou seja, que não tiveram qualquer resposta. De salientar que, quando cingimos a análise às classes sociais de mais baixos rendimentos, aquela percentagem duplica (4%). A média da OCDE é de 3%, o que significa que estamos melhor. Curiosamente, no primeiro ano da COVID (2020), 34% dos portugueses reportaram necessidades não satisfeitas, o que nos colocou na 2ª pior posição na OCDE (22%), só acima da Hungria.
Em duas patologias particularmente frequentes e limitadoras da autonomia, sobretudo entre os mais velhos – substituição da anca e substituição do joelho – verifica-se que a densidade de ocorrências reportadas é bastante menor em Portugal: a) anca, 91 casos por 100 mil habitantes, que comparam com 174 na média da OCDE e com 315 na Alemanha; b) joelho, 62/ 100 mil habitantes, face a 137 na média da OCDE e com 260 na Suíça. Estes dados permitem concluir que em Portugal, com uma das mais elevadas percentagens de idosos no contexto internacional, haverá muitos cidadãos que esperam e desesperam com problemas músculo-esqueléticos desta natureza. A título de exemplo, para cirurgia da anca o acesso a especialista demora mais de 3 meses para 56% dos doentes portugueses, quando a média na OCDE é ligeiramente inferior (53%). Depois, quando colocado em lista de espera para cirurgia, o doente português esperava em média, mais 241 dias em 2020 (quase o dobro de 2019), face aos 128 dias em Espanha, ou 82 dias na Suécia. Para cirurgia do joelho a situação é ainda pior, com 83% dos doentes portugueses a aguardarem mais de 3 meses pela primeira consulta de
especialista e ainda mais 300 dias, em média, em lista de espera. A título de exemplo, estes valores são de 107 dias na Suécia e de 142 dias na vizinha Espanha.
- Qualidade clínica
O relatório não faz uma análise sistemática da qualidade clínica, mas compara algumas práticas e alguns resultados entre os diferentes países.
Portugal prescreve mais antibióticos do que a média dos países da OCDE: 14,8 DDD, por mil habitantes por dia, contra 9 na Suécia ou 13 na Finlândia ou na Dinamarca (média da OCDE=13,73). Isso significa, seguramente, facilitismo na toma de antibióticos, com riscos acrescidos no combate às infeções.
No enfarto agudo do miocárdio, a mortalidade subsequente ao internamento, na janela temporal de 30 dias, foi em Portugal de 7,3% em 2019, contra 6,6% na média da OCDE e com resultados francamente melhores na Islandia,Holanda ou Noruega (entre 2 e 3% de mortalidade). Nos AVC, e para o mesmo indicador, a mortalidade em Portugal em 2019 foi de 9,8%, contra 7,7% na média da OCDE e com os melhores países a apresentarem valores entre 3,8 e 5,4% (Noruega, Islândia, Dinamarca, Holanda ou Suécia). Parece ser assim possível incrementar a efetividade dos cuidados prestados nestas duas patologias, com poupança adicional de vidas.
No cancro da mama, Portugal é dos países que realizou mais mamografias em mulheres entre os 50 e os 69 anos, nos últimos 2 anos (80,7% das mulheres em 2019, contra 61,7% na média da OCDE).Somos o 4º melhor país na OCDE. Todavia, isso não se torna efetivo, quando percebemos que na deteção do cancro da mama em estado avançado ainda temos 11,9% dos casos, contra 8,8% na OCDE. Ou seja, não basta realizar exames, pois é sobretudo necessário o acompanhamento clínico atempado.
- Os recursos humanos
Os profissionais de saúde têm aumentado no espaço da OCDE, mais do que o aumento da população residente. Isso traduz-se em ratios cada vez mas elevados de profissionais em todas as profissões. Na área médica a OCDE registava em 2019 um valor médio de 3,6 médicos por mil habitantes, sendo Portugal o 3º país com mais densidade (5,3 médicos) A OCDE chama, no entanto, a atenção para a pouca fidedignidade dos dados portugueses fornecidos pela Ordem dos Médicos, aconselhando os leitores a retirarem 30% daquele ratio, porque consideram ser essa a proporção de médicos que, ainda que inscritos na Ordem, não exercem a profissão. Se assim for, o nosso número de médicos reduz-se para 3,71/mil habitantes, um pouco acima da média da OCDE, mas dentro do padrão destes países. Todas as considerações sobre médicos a mais ou a menos em Portugal caem, assim, por terra e obrigam-nos a uma reflexão diferente e noutro registo sobre este decisivo grupo profissional. Quanto aos enfermeiros a situação é claramente diferente: o ratio de Portugal é de 7.08 enfermeiros por mil habitantes e é de 8,83 no espaço da OCDE. Ou seja, teremos um número suficiente de médicos e um insuficiente número de enfermeiros, mas importaria perceber como estão distribuídas as tarefas clínicas dentro de cada país e quais são as competências reconhecidas de cada grupo profissional. A propósito disto, quando olhamos para estes profissionais em contexto hospitalar, verificamos que Portugal apresenta um número de médicos de 2,8 por mil habitantes (apenas nos hospitais do SNS), superior aos hospitais da OCDE (2,1) e só ultrapassado pela Suíça, Dinamarca e Áustria no conjunto dos 32 países analisados. Quanto à enfermagem, a situação é a oposta: a OCDE tem em média 5,5 enfermeiros por mil habitantes em hospitais e Portugal 4,4. O pessoal de enfermagem tem especial peso nos hospitais da Noruega, Suíça, Reino Unido ou EUA, com valores entre 7,6 e 9,2 por mil habitantes. Os modelos de trabalho hospitalar e as competências específicas da enfermagem, porventura mais alargadas nalguns países, poderão explicar estas diferenças.
- As questões do envelhecimento
Este será, porventura, o tema em que Portugal manifesta maiores fragilidades.
A OCDE revela a sua estimativa para o peso dos idosos em 2050, a partir dos valores reais de 2019 e conclui que Portugal passará de 21,8% de pessoas com 65 e mais anos para 33,7%, quando a OCDE passará de um valor médio de 17,3% para 26,7%. Portugal é o 4º país mais envelhecido da OCDE, situação confirmada pela projeção para 2050 dos idosos com 80 e mais anos (12,8% em Portugal, 9,8% na média da OCDE). A esperança de vida de um português com 65 e mais anos é hoje de 20,4 anos, um pouco acima da média da OCDE (19,9 anos).
Mas é justamente aqui que começam os problemas. Os anos de vida saudáveis de um português são de apenas 30% para as mulheres após os 65 anos (esperança de vida de 22,3 anos) e de 43% para os homens (esperança de vida de 18,5 anos). Ou seja, os portugueses têm uma boa longevidade, mas bem mais de metade desses anos após os 65 são de baixa qualidade de vida. No contexto da OCDE só a Letónia apresenta valores mais elevados de anos de vida com pouca saúde.
Por outro lado, e no contexto da OCDE, Portugal é um dos países com uma prevalência de demência mais elevada: 21,9 por mil habitantes em 2019 e projeção de 39,2 em 2050, contra 15,7 e 29,4 para a média da OCDE, respetivamente. Estamos acima da média da OCDE na prescrição de antipsicóticos a partir dos 65 anos, mas também no uso de benzodiazepinas. Estamos também numa má posição na resistência a antimicrobianos associados a infeções, com 46,2% dos casos, sendo o pior país no contexto da OCDE (26,3%).
Para todos estes problemas e os desafios do envelhecimento que nos afetarão de forma avassaladora no curto prazo, não temos respostas devidamente planeadas ou executadas. Temos apenas 1 profissional em cuidados de longa duração para 100 pessoas com 65 e mais anos, quando a média da OCDE é de 5,3. Temos apenas 35% dos portugueses com 65 e mais anos carentes de cuidados, com apoio domiciliário, sendo o pior país no contexto da OCDE (média de 68%).
Conseguimos, em 2007, arrancar com a rede de cuidados continuados, ampliando com dificuldade e lentidão o número de lugares na rede. Temos que investir muito mais e de forma articulada neste setor, com mais respostas na comunidade, mais profissionais devidamente habilitados, mais integração de cuidados, mais promoção das condições de vida e de saúde dos idosos no seio familiar e um modelo de financiamento inovador que premeie a recuperação das pessoas e não apenas a sua guarda.
ÍNDICE SINTÉTIOC DE RISCO DA SARS-CoV -2 (90ª semana, de 14 de novembro a 20 de novembro)*
Registámos, na última semana, o crescimento dos valores de todos os indicadores que utilizamos. Esse aumento é particularmente significativo no número de novos casos, mais 39% face à semana anterior, mesmo assim inferior ao registado na penúltima semana (mais 44%). Os aumentos verificados no internamento e nas UCI foram também significativos, mas numa dimensão inferior, bem como o crescimento no número de óbitos, que aumentaram de 7,71/dia para 9,71 (em valores médios diários por semana). Estamos ainda longe dos impactos da COVID registados nas vagas anteriores, com os serviços hospitalares sem especial pressão por causa do vírus.
. Índice sintético de risco: 0,471692 (baixo risco)
. Tendência: subida
. Cor do semáforo: verde
. Dimensão pior: positividade dos testes
. Dimensão melhor: número de doentes internados
(*) A partir desta semana a análise da COVID tomará em consideração o período de domingo a sábado
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.