Se traduzíssemos workism à letra, seria qualquer coisa como “trabalhismo” – e se, a partir daqui, avançássemos para uma conversa em português, o mais certo era termos um diálogo pouco produtivo e cheio de mal-entendidos. A palavra workism pouco tem de esquerda ou de direita, sintetiza a crença de que o trabalho não é apenas central para a atividade económica, mas também para a própria identidade dos indivíduos. É verdade que a nossa profissão nos define (em particular, numa economia como a portuguesa, em que as mudanças ao longo da vida ativa são casos raros), mas daí a entendê-la como o sentido da nossa vida… diz-nos a sensatez que vai uma grande distância.
Vem isto a propósito de uma tendência que, nos EUA, era visível antes do verão e que poucos foram capazes de prever: a The Great Resignation ou The Big Quit (há expressões para todos os gostos, mas, em português, é qualquer coisa como A Grande Demissão). Milhares de pessoas, sobretudo no setor do retalho, com trabalhos pouco qualificados e salários mais baixos, estão a despedir-se. Apesar de o emprego se situar a milhas dos níveis pré-pandemia, o fenómeno acentua-se ao ponto de já haver especialistas a considerar que a cultura do workism – que, durante décadas, não só alimentou a maior economia do mundo mas também um certo modo de vida americano – está a ser posta em causa. Na sua coluna de opinião, publicada no The New York Times, Paul Krugman pergunta: “Os trabalhadores estão claramente a sentir-se fortalecidos. Porquê?” No mesmo artigo, o Nobel da Economia tenta encontrar explicações, elenca algumas variáveis e, no fim, defende que, para lá da tragédia, a disrupção provocada pela Covid-19 terá conduzido a um “great rethink” (mais uma vez, numa tradução muito livre, um “grande repensar”). “A experiência da pandemia pode ter levado muitos trabalhadores a explorar oportunidades que não tinham visto previamente”, escreve Krugman.
Se se trata de uma revolução ou apenas de uma reação do pós-pandemia, ainda estamos para descobrir. Há cerca de um mês, na VISÃO, quando demos conta do fenómeno do The Great Resignation, já havia sinais de que a tendência estaria a acontecer em Portugal. Consultoras e empresas tecnológicas (naturalmente, mais próximas da realidade americana), mas também responsáveis da hotelaria e da restauração, diziam perder mão de obra. A questão é saber como podem os trabalhadores, em países com economias frágeis e pouco competitivas, dar-se ao luxo dessa liberdade. Um estudo divulgado esta semana, da autoria de Eugénio Rosa, consultor da CGTP, aponta para um aumento de 96 euros do salário médio português (1 048 euros), enquanto o salário mínimo nacional subirá 200 euros (705 euros). A “distorção salarial”, como lhe chama o economista, significa que o salário mínimo nacional representa uma proporção cada vez maior do salário médio: “Este facto está a transformar Portugal num país de salários mínimos.” Muitos desses trabalhadores são jovens qualificados, outros serão os “essenciais” dos lockdowns – alguém ainda se lembra deles? E isto pode ser não o nosso “grande repensar” mas o nosso grande falhanço coletivo.