Escrevo antes da votação do Orçamento do Estado (OE), para só ser lido depois dela. E, face ao seu anunciado chumbo por BE e PCP, uma coisa me ocorre, do domínio quase do humor negro: a única forma de o atual Governo do PS se manter seria os partidos à sua direita apresentarem… uma “moção de censura”! Porque, se PSD e/ou CDS a apresentassem, apesar de tudo BE e PCP não votariam a seu favor – e a moção não passaria. Só que, sendo o OE chumbado pelos partidos à direita do PS, por ser muito de esquerda, chumbando-o também os partidos à esquerda do PS fazem o mesmo, e com idênticas consequências, que fariam se votassem a favor duma moção de rejeição…
Sem entrar em eventuais anteriores responsabilidades também do PS, e na justeza e viabilidade das propostas de BE e PCP não consagradas no OE, face à realidade atual considero um erro histórico, uma enorme falta de visão política e até de bom senso, o chumbo do OE por esses partidos. Porque:
Primeiro, e mais importante, o interesse nacional, incluindo o dos mais pobres e desprotegidos, impõe evitar agora uma crise política, após a terrível crise pandémica, que ainda não terminou, e outras redobradas dificuldades;
Segundo, poderá ser posta em causa a conquista democrática de derrube do muro do então chamado “arco da governação”, que mantinha numa espécie de gueto PCP e BE;
Terceiro, uma análise objetiva e inteligente de todos os elementos disponíveis – entre os quais os resultados das eleições presidenciais e autárquicas – impõe concluir que, em próximas legislativas, a esquerda, no seu conjunto, sairá enfraquecida em relação às anteriores; e que,
Quarto, serão o BE e o PCP que mais perderão, correndo o risco de ficarem mesmo bastante reduzidos – não compreendendo como não aprenderam certas lições (p.ex., o BE, o resultado de Marisa Matias nas presidenciais);
Quinto, dessa sua menorização poderá resultar um “voto útil” em favor do PS, por a única possibilidade de um governo de esquerda ser o PS obter uma maioria absoluta – o que, aliás, neste momento se afigura dificílimo, se não impossível;
Sexto, e dado que não serão BE e PCP a formar governo, nunca, após eleições, eles conseguirão o que agora não conseguem. Pelo contrário;
Sétimo, se o PS tiver maioria absoluta, quando muito manterá o que neste OE concedeu, em relação à sua proposta inicial; se a maioria for de direita, irá à vida muito do que o PS agora propõe de melhorias para trabalhadores e mais desprotegidos, bem assim o maior investimento no setor público.
Será que é isto que BE e PCP desejam? Claro que não. Mas então não se percebe como é possível acontecer o que já poderá ter acontecido quando estas linhas estiverem a ser lidas: BE e PCP chumbarem, e logo na votação na generalidade, o OE. Chumbarem-no, inclusive por não verem consagradas propostas em matérias que dele não constam, antes são tratadas em legislação específica.
Ou será que tudo isto foi um pesadelo e, à última hora, deixando a irracionalidade e a tentação suicida, BE e PCP, com a indispensável frieza, lucidez e sensatez, se abstiveram e viabilizaram, na generalidade, o OE?