A mulher forte da política alemã dos últimos dezoito anos, Angela Merkel, insere-se numa tradição cristã e numa cultura frugal, em simultâneo, não apenas por ser filha dum pastor protestante mas por ter vivido grande parte da sua vida na parte leste do país durante o regime comunista. Foi certamente a junção destes dois fatores, juntamente com a especificidade da sua personalidade, que fizeram dela aquilo que conhecemos.
Governou a Alemanha e influenciou a Europa durante quatro mandatos consecutivos mantendo sempre uma popularidade assinalável, mesmo em tempos de crise, terminando com uns invejáveis setenta por cento de aprovação e deixando atrás de si uma herança política notável que os seus colegas de partido não conseguiram agarrar. Fechado este período, a “chanceler eterna”, como lhe chamaram, conquistou um lugar de destaque na história do continente, depois de mais de trinta anos de carreira política.
Angela Merkel preservou sempre com todo o cuidado a sua vida pessoal e privacidade. Por exemplo, nunca convidou um chefe de Estado ou de governo para o seu apartamento em Berlim ou a sua dacha em Brandeburgo.
Cultivou um estilo de vida simples, austero, continuando a morar no mesmo apartamento antes e depois de ir para o governo, um apartamento normal como qualquer cidadão e comportava-se como uma mulher comum que ia às compras e cozinhava sempre que podia. Nunca cedeu aos luxos, nem sequer tinha uma empregada em casa porque dividia as tarefas domésticas com o marido.
Muita gente reparou que vestia sempre o mesmo modelo de roupa trocando apenas de cor, e muitas dessas peças de vestuário chegaram a passar pela costureira para encolher ou alargar segundo a necessidade. Quando questionada por jornalistas sobre a forma de vestir, respondeu que tinha sido eleita para dirigir a Alemanha e não para pisar a passerelle num desfile de moda.
Em termos familiares, Merkel manteve sempre contacto regular com a sua mãe, em especial por telefone dada a falta de tempo decorrente das responsabilidades governativas. Deixava sempre com o seu discreto marido, o químico Joachim Sauer, a decisão de a acompanhar ou não nas constantes viagens oficiais, mas as despesas dele nunca foram incluídas nas despesas por conta do estado.
Merkel é uma mulher crente em Deus:“A fé e a religião são o alicerce sobre o qual eu e muitos outros contemplamos a sagrada dignidade do ser humano. Nós vemo-nos como uma criação de Deus, e isso guia as acções políticas. A fé em Deus facilita-me muitas decisões políticas”. Mas não é sectária. Em 2015, num debate público na Universidade de Berna (Suíça) e questionada sobre o risco de “islamização” da Europa, lembrou que a melhor resposta à situação seria ter “a coragem de ser cristão, sabendo como promover o diálogo [com os muçulmanos], retornar ao culto na igreja e mergulhar novamente na Bíblia”.
A chanceler pensa que a identidade cristã ajudou a moldar os valores europeus e por isso as pessoas deveriam voltar a frequentar os serviços religiosos para adquirir um fundamento bíblico. Em 2017, na celebração dos 500 anos da Reforma Protestante teve ocasião de expressar profundo apreço pela obra de Martinho Lutero, que ajudou a definir a imagem de um ser humano maduro e responsável, desejando que aquelas celebrações incluíssem uma componente de missão, de forma a alcançar os que vivem longe da fé em Jesus.
O testemunho que Merkel deixou ao jornal Süddeutsche Zeitung, no 25º aniversário da unificação do país, com eco na imprensa internacional, é inteiramente invulgar nestes tempos que se dividem entre laicismo exacerbado e fundamentalismo religioso: “Sempre procurei fazer as coisas como Deus gosta, porque o temo e porque o sirvo com todos os meus bens e com todo o meu coração, tenho aberto a minha vida e o meu coração a Jesus Cristo e sou cristã não apenas em palavras mas sobretudo nos actos”.
Quando a fé religiosa não é apenas uma bandeira tribal, um sino sem badalo, um estribo na ascensão para o poder ou uma mera estratégia de markting, pode fazer toda a diferença na vida pública e na política.
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