A proposta do OE 2022 para a área da saúde, apresenta duas características comuns a todos os orçamentos apresentados pelos XXI e XXII Governos Constitucionais: aumento substancial da despesa e manutenção dos mesmos problemas ao longo destes anos (2016 a 2022).
De facto, e contrariando o ciclo PSD/CDS (2010/2015), em que se registou um corte de despesas na casa dos 825 milhões de euros, e que agudizou substantivamente os problemas de acesso e de saúde dos portugueses, os governos do PS promoveram um crescimento da despesa pública na ordem dos 3,3 mil milhões de euros (2016 a 2021), a par de uma tentativa de recuperação dos indicadores anteriores a 2010, quanto à utilização dos serviços públicos.
Para 2022, confirma-se essa tendência, com a expetativa de uma despesa consolidada de 13,6 mil milhões de euros, 7,8% superior à que se espera atingir no final deste ano.
Apesar desta predisposição do governo para aumentar os gastos públicos em saúde, os problemas mantêm-se relativamente inamovíveis ao longo deste novo ciclo político, como facilmente se percebe na análise da proposta de orçamento para 2022. Na realidade, as referências constantes ao reforço dos níveis de acesso a cuidados de saúde, ao desenvolvimento dos centros de responsabilidade integrados, à promoção das Unidades de Saúde Familiar, à pressão das urgências, à necessidade de terminar com as empresas de trabalho médico temporário, à vontade de introduzir a figura do médico em dedicação plena e com um novo modelo remuneratório, ou a aposta na Saúde Mental ou nos cuidados continuados, parecem ser temas retirados a papel químico de versões anteriores de orçamentos aprovados. Isso poderia significar uma persistência lógica num plano plurianual em movimento, mas infelizmente, nalguns casos, significa que pouco ou nada se fez nalguns tópicos importantes.
Temos que reconhecer que os parceiros de governo neste processo de aprovação orçamental estão muito focados na promoção da despesa e na empregabilidade e segurança no trabalho e pouco ou nada ligados às questões da eficiência e da qualidade dos serviços, o que, muitas vezes, pressupõe alterações sensíveis nos modelos de funcionamento. Dá, portanto, a sensação de que gastamos cada vez mais em saúde e, simultaneamente, temos níveis de eficiência mais baixos. À generosidade da despesa não corresponde o rigor na utilização dos recursos. É muito difícil conciliar o interesse público com os interesses das corporações e a roupagem ideológica com que se disfarçam.
Temos, portanto, um OE para a saúde de natureza expansionista, muito alinhado com os tempos difíceis que vivemos com esta pandemia longa e que pôs à prova o nosso SNS, agora mais prestigiado e muito menos contestado.
O orçamento para 2022 revela particulares preocupações com três eixos de políticas fundamentais: a) qualificar o acesso dos cidadãos a cuidados de saúde; b) motivar (e fixar) os profissionais de saúde; c) investir mis na rede pública do SNS.
No primeiro eixo temos o reforço na criação de mais Unidades de Saúde Familiares, permitindo que esse modelo não se fique pelo litoral e possa também beneficiar as populações do interior. Importa referir que estas USF não devem ser vistas de forma acrítica, como se o seu desempenho fosse um sucesso indiscutível e as remunerações acrescidas a que os profissionais têm direito absolutamente justificadas. Não, os resultados estão muito longe do que seria exigível, quer na cobertura da população, quer na resposta à doença aguda, quer na função de “gatekeeper” de controlo do afluxo massivo aos serviços de urgência: 30% dos inscritos não vão ao seu médico de família, as urgências continuam cheias de casos clínicos simples que deveriam ser da responsabilidade dos médicos de família, só um número minoritário de pedidos de consulta para o próprio dia é de facto atendido.
O segundo eixo é, porventura, o de mais difícil concretização: como motivar os profissionais de saúde? O orçamento persegue várias tentativas de motivação, umas com lógica e consistência técnica, outras pouco menos que desastrosas. A mais emblemática, mas que não vem nem quantificada nem temporalmente prevista, prende-se com o exercício profissional em dedicação plena. Não se percebe o que é que o governo quer significar com o conceito, que terá que ser definido e densificado, para percebermos o seu impacto. A ideia da Ordem dos Médicos e dos sindicatos é que aquele conceito é sinónimo de um estatuto profissional de exclusividade, de opção livre de cada profissional e com uma remuneração acentuadamente acrescida face à atual. Nada de mais errado e contraproducente. Esperemos que o governo rapidamente esclareça o que pretende. Já o incentivo às horas extraordinárias que o governo lança no artigo 37º da proposta de lei do orçamento é deveras preocupante. Revela incapacidade em recrutar médicos, cultiva a realização de trabalho de urgência e promove o foco dos médicos na sua realização contra remunerações que podem atingir 50% do valor-base, à medida que se façam mais e mais horas. Nada que se recomende e que fortemente penaliza o trabalho sério e consistente que se deve desenvolver de forma programada. Há também no orçamento uma componente de motivação que se prende com a abertura de concursos de acesso e de promoção em várias carreiras. Não vem quantificada e pode ser uma boa intenção com pouco conteúdo. Também não aparece quantificada a verba prevista para promover a adesão de mais médicos para se fixarem em zonas do país mais carenciadas. Mas imagino que, infelizmente, e tendo em conta experiências anteriores, não haverá aqui grandes e boas surpresas.
A motivação dos profissionais passa também pela figura organizacional dos CRI (centros de responsabilidade integrada). São unidades de gestão intermédia que convocam o trabalho conjunto e integrado de várias especialidades, centradas na doença e na pessoa e não numa visão atomizada da medicina. Estas estruturas intermédias, embora em parte já adulteradas à boa maneira portuguesa, têm a vantagem de autonomizar áreas de intervenção clinica nos nossos hospitais e criar formas de remuneração baseadas nos resultados e não apenas no salário. O governo pretende incentivar estas estruturas e profissionalizá-las à volta do conceito de dedicação plena. Estamos ainda muito atrasados mas parece ser um bom caminho.
De referir ainda a motivação que pode resultar da autonomia que o orçamento confere às administrações das unidade e serviços de saúde para substituírem diretamente profissionais reformados ou temporariamente ausentes, sem consultar o Ministério das Finanças. Esta medida inscrita no artigo 37º da proposta de lei do orçamento, vai com certeza dinamizar a admissão de profissionais quando necessário (se o mercado responder como se deseja), mas pode criar um alçapão sem limites à despesa pública, travada deliberadamente e com expedientes vários, até agora, pelas Finanças. Vamos aguardar os resultados.
O terceiro eixo está essencialmente ligado aos investimentos de requalificação de estruturas, novos equipamentos ou novas construções. O governo volta a referir as prioridades de sempre mas sempre adiadas: os novos hospitais de Sintra, Seixal, Lisboa Oriental e Évora; a modernização do parque instalado de centros de saúde; o aumento da capacidade em cuidados continuados e paliativos; a concretização de velhas promessas (ampliação do IPO de Lisboa, a famosa maternidade em Coimbra ou a tão necessária e justa radioterapia em Viseu). Uma nota de realce para a aposta no digital na saúde, com investimentos previstos de 300 milhões de euros, só em 2022, através do PRR. Todos estes investimentos são necessários e já deveriam estar largamente concretizados. Representam um acréscimo de 75,2% face à mesma rúbrica de despesa incluída no orçamento de 2021.
Estamos, portanto, perante um orçamento de continuidade, com poucas novidades e alguns riscos evidentes de derrapagem. A componente com mais impacto na despesa é, sem dúvida, a que se prende com os recursos humanos e o novo e desconhecido regime de dedicação plena. Dependerá do Estatuto do SNS e do regulamento que se lhe seguirá, a estimativa do seu impacto financeiro. Mas nunca antes de 2023, suponho. Aguardemos as alterações que venham a ser consideradas em sede de discussão na especialidade, se na primeira votação geral a proposta do governo passar.
ÍNDICE SINTÉTICO DE RSCO DA SARS CoV – 2 (semana de 11 a 17 de outubro – previsão calculada no sábado, 16 de outubro)
Pela segunda semana consecutiva o índice de risco sobe, ainda que moderadamente. Para isso contribuíram, o aumento do número de óbitos, dos novos casos e da positividade dos testes. Os indicadores referentes a doentes hospitalizados continuam, entretanto, a diminuir.
.ÍNDICE SINTÉTICO: 0,36573 (baixo risco)
.COR DO SEMÁFORO: verde
. TENDÊNCIA: subida
.DIMENSÃO PIOR: positividade dos testes
.DIMENSÃO MELHOR: número de novos casos
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