Parece aproximar-se a passos largos o fim da infeção por SARS-CoV-2, pelo menos de forma a condicionar acentuadamente a nossa vida coletiva. Em todos os países do mundo, os novos dados mostram um declínio evidente da força do vírus e um processo de desconfinamento generalizado. A rapidez na descoberta e produção de vacinas e o sucesso de todo o processo, em muitos países, foi o antídoto decisivo e único para este final que se antevê.
Tivemos, até agora, cerca de 235 milhões de infetados em todo o mundo, ¼ correspondendo aos países europeus (perto de 60 milhões). O número de mortos vai já em perto de 5 milhões de pessoas em todo mundo e a letalidade global do vírus situa-se hoje nos 2% (no mundo e na Europa), valor que evoluiu positivamente ao longo deste ciclo. Será bom recordarmos as taxas de letalidade de 15 e 16% atingidas em muitos países europeus, como a Bélgica, Reino Unido, França, Espanha ou Itália, em certo momento deste percurso, mas o que é facto é que estes valores se foram progressivamente reduzindo, em parte com a vacinação mas, em boa verdade, já antes se encontravam nesse processo de descida. Perda de força do vírus, alguma imunidade de grupo, melhor abordagem e tratamento da doença? Tudo está ainda por explicar.
No balanço mundial, neste momento já possível, há alguns factos que importa destacar:
- O vírus chegou a todos os pontos do planeta, sendo a sua incidência em países com poucos habitantes bastante mais alta. Países com menos de 1 milhão de habitantes, apresentam genericamente uma taxa de infetados bastante superior aos países com mais população. Por outro lado, a República Checa, Israel, EUA, Holanda, Argentina, Suécia e Reino Unido, apresentam uma elevada incidência, entre 113 mil e 158 mil casos por milhão de habitantes que, por contraste, comparam com países ricos e pobres com baixíssima incidência (Tanzania,China,Taiwan,Mali, Serra Leoa, Nova Zelandia, todos com menos de mil casos por milhão de habitantes) e ainda com outros com incidência entre 1600 e 15 mil casos por milhão de habitantes (Hong Kong,Paquistão,Coreia do Sul, Vietnam, Bangladesh, Venezuela,Japão,Indonésia, Singapura ou India). Não há aqui um elemento condutor que nos permita identificar causas relacionadas com o desenvolvimento, com medidas de confinamento, com o funcionamento dos serviços de saúde ou com a localização geográfica, que nos permitam explicar taxas de incidência tão díspares, pese embora seja de considerar que a informação disponibilizada por cada país possa não ser sempre da mesma qualidade e rigor (o continente africano, por exemplo, apresenta genericamente baixas taxas de infeção, com a grande maioria dos países abaixo dos 15 mil casos por milhão de habitantes). Estas dúvidas merecerão, com certeza, uma análise cuidada por parte dos epidemiologistas e outros investigadores para se encontrarem as razões para estas brutais diferenças.
Portugal ocupa, neste capítulo, a pouco confortável 32ª posição a nível mundial com cerca de 106 mil casos por milhão de habitantes. Na comparação europeia ocupamos a 14ª posição entre 46 territórios/países considerados. Países mais ricos da Europa, como o Luxemburgo,Holanda,Reino Unido, França,Suécia,Bélgica e Espanha, têm neste indicador uma pior posição do que nós. Os países de leste, com a exceção da Rússia (o pior a seguir ao Reino Unido) apresentam valores significativamente mais baixos.
A densidade populacional, a existência de uma pirâmide demográfica mais jovem e a baixa mobilidade de populações mais pobres e que vivem em economias de subsistência, podem ser alguns fatores explicativos para estas diferenças de incidência em todo o planeta (como é o caso da maioria dos países africanos).
- Quanto aos óbitos, os países que apresentam um número mais elevado, são, por esta ordem, os EUA, o Brasil, a India, o México, a Rússia e o Perú. Mas quando passamos à análise da mortalidade relativa à população residente, o ranking dos piores países é bastante diferente: Perú, Bósnia – Herzegovina, Macedónia, Hungria, Montenegro e Bulgária, são os líderes desta lista negra, com o Perú com cerca de 6000 mortos por milhão de habitantes, o que significa uma taxa de letalidade de cerca de 9,5%, um valor muito acima dos piores resultados registados no resto do mundo. Importa referir que para uma taxa de referência de 2%, como acima já referimos, a Bósnia, a Bulgária, a Macedónia e a Hungria, surgem com taxas próximas do dobro daquele valor (3,5 a 4,5%). Para estas diferenças, a qualidade dos respetivos sistemas de saúde e a capacidade clinica de intervenção perante o vírus, podem ser a principal razão explicativa. Como se vê, os países com mais mortalidade relativa concentram-se no leste europeu e não em África ou no sudeste asiático, como seria de esperar (mais uma vez será bom ter em conta o rigor da informação registada sobre as causas de morte, sendo duvidoso que isso aconteça nessas regiões do mundo).
Portugal, na comparação com o pelotão da frente dos países europeus (os 15 países que constituíram a base da EU) ocupa o 10º melhor lugar na relação entre óbitos e habitantes (1769 óbitos/milhão de habitantes), atrás da Finlândia e Dinamarca, de longe os melhores, ma também da Holanda, Luxemburgo, Irlanda, Áustria, Grécia, Alemanha e Suécia. Em contrapartida, apresenta melhores resultados do que a França, Itália, Bélgica, Reino Unido e Espanha. Mas quando olhamos para a letalidade do vírus, ou seja os óbitos verificados entre os infetados, a posição de Portugal melhora, passando para o 7º lugar entre os 15 países em análise, tendo à sua frente, apenas, a Dinamarca, a Finlândia, o Luxemburgo, a Irlanda, a Áustria, a Suécia e a França. Assinale-se, neste indicador, que os países que constituem o pelotão da frente da EU têm hoje taxas de letalidade por SARS-CoV-2 muito homogéneas, com apenas 3 países (Alemanha, Grécia e Itália) acima dos 2%. Isto tem especial significado porque implica com a qualidade da intervenção médica relativamente aos infetados (precocidade no diagnóstico, tratamento rápido e adequado e acompanhamento eficaz) em que Portugal se situa entre os melhores, com o seu SNS, similar aliás, aos sistemas de saúde da Dinamarca, Finlandia, Suécia e Irlanda. Ou seja, não restam dúvidas de que o nosso SNS respondeu bem, num contexto comparativo exigente, e num quadro de atuação predominantemente público.
- As vacinas foram, com já se referiu, a grande solução para nos irmos libertando a passo acelerado deste vírus. Há grandes diferenças no aprovisionamento e administração das vacinas ao longo do planeta, com alguns governos a adotarem inclusivamente políticas de boicote e negação dos seus benefícios. Portugal, depois de um arranque tremido e ziguezagueante, no final de 2020, acertou depois o passo com as melhores práticas e ocupa hoje a liderança mundial em percentagem de habitantes com a vacinação completa (85,21%) e a 2ª posição com pessoas com, pelo menos, uma dose (87,83%). Estamos com uma vantagem de 20,6 pontos percentuais sobre a média da EU na população com, pelo menos, uma dose administrada e cerca de 40 pontos percentuais sobre a média da vacinação em todo o mundo. Para este sucesso contou, sobretudo, a adoção de uma estratégia centralizada e exclusivamente dirigida pelo Estado (SNS e autarquias), contrariando as teses mais pessimistas que viam nos serviços públicos incapacidade e burocracia e apelavam à intervenção privada. O élan que foi dado pelo coordenador, Vice- Almirante Gouveia e Melo, foi decisivo, mas devemos referir também a notável mobilização de enfermeiros, de alguns médicos e pessoal de apoio administrativo, de voluntários simpáticos e diligentes, de instalações desportivas e outros espaços, do empenhamento dos autarcas, das redes de armazenamento e transporte, da rede de comunicações exemplar que foi montada, para que fosse possível conseguirmos obter tanto sucesso.
O SNS e os seus profissionais, o Ministério da Saúde e a DGS, foram sujeitos a uma autêntica e séria prova de stress e tiveram particular sucesso em todo este processo, apesar do desconhecimento inicial sobre o vírus, as suas formas de contágio, as suas mutações e os seus efeitos deletérios sobre os infetados. A tudo isso o SNS foi respondendo com prontidão, com alguns erros, claro, mas com uma resiliência e dedicação inatacáveis.
ÍNDICE SINTÉTICO DE RISCO DA SARS-CoV-2 (semana de 27 de setembro a 3 de outubro*)
Como se tem verificado nas últimas semanas, registamos uma descida, desta vez acentuada, em todos os indicadores que compõem o painel do índice sintético de risco (óbitos, doentes em UCI, doentes internados, número de novos casos diários e positividade dos testes):
. Índice sintético: 0,3297
.Tendência: descida
. Cor do semáforo: verde
. Dimensão pior: positividade dos testes
. Dimensão melhor: número de novos casos diários
(*) Cálculos realizados no sábado, dia 2 de outubro
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.