As redes sociais estão hoje invadidas pelas mais delirantes teorias conspiracionistas e de negação da realidade (as fake news). Não que o fenómeno seja propriamente novo, mas porque o poder esmagador da comunicação rapidamente amplifica mensagens de todo o tipo, verdadeiras ou falsas, de fontes conhecidas e/ou credíveis ou não, sobre coisas sem importância ou sobre matérias transcendentes para a nossa vida coletiva. O negacionista tende a desvalorizar o que é norma ou ciência comprovada, para passar a acreditar em factos alternativos ou pós-verdades. Movimenta-se bem nas redes sociais, dispõe de muita informação e apresenta-se como pessoa mais esclarecida face ao comum dos mortais. Felizmente, a história mostrou-nos, ao longo dos séculos, que o conhecimento e a ciência se foram sobrepondo à especulação, a teorias da conspiração ou à pura negação dos factos. Todavia, é com alguma perplexidade que vemos atualmente o recrudescimento dessas teorias e desses posicionamentos de combate contra a ciência e o conhecimento e, o que é dramático, contra o interesse da Humanidade (veja-se os casos das alterações climáticas ou da vacinação).
O isolamento ou solidão social, a desconfiança nas instituições políticas de governo, o ódio ou rancor manifesto contra os seus representantes, olhados como privilegiados distantes dos interesses do povo e que apenas atuam pelos seus interesses próprios ou corporativos, fez aumentar novas formas de contestação social, para as quais as redes sociais e políticos populistas são um propulsor determinante. O que se passou com Trump e ainda com Bolsonaro são exemplos esclarecedores sobre o desenvolvimento de crenças novas e inverosímeis sobre tudo: desde o roubo de votos ao consumo de desinfetantes ou de hidroxocloroquina contra a Covid, numa vertigem insana que a todos nos perturba.
É neste contexto que vimos assistindo, também entre nós, a uma bolha de contestação à vacinação contra a Covid, logo agora em que o sucesso da vacinação é público e notório e o número de portugueses que não pretende vacinar-se se situa nos 3%.
Temos cerca de 80% da população já totalmente vacinada, são poucos os doentes internados com Covid já com a vacinação completa (6,7%) e tivemos uma redução sensível da letalidade do vírus. Para os negacionistas isto pouco importa, preferindo valorizar as teses inverosímeis que por aí proliferam: as vacinas não são boas, colocam-nos um chip para que o governo nos controle, as matérias-primas são letais para o ser humano, designadamente para as crianças, os efeitos secundários são altamente perigosos e tem morrido muita gente com isso, os interesses económicos das farmacêuticas, conluiadas com os governos dos países aonde estão sediadas, criaram estas vacinas inúteis e a necessidade de serem administradas. Esta negação da realidade e as teorias conspirativas associadas são alimentadas pelo apoio de alguns lideres circunstanciais de referencia, como o juiz de Odemira ou o médico da AMI, Fernando Nobre. As manifestações destes pequenos grupos tiveram os seus “momentos altos” nos insultos e tentativas de agressão que tiveram por alvos o Vice-Almirante Gouveia e Melo e o Presidente da Assembleia da República, mas também na atitude destemperada e desafiadora do juiz frente à PSP. Essas imagens, em que vimos apenas insensatez, provocação e ódio, foram úteis para a nossa democracia e contribuíram, creio eu, para o confinamento e descrédito dos seus protagonistas.
Mas há algumas questões que temos que encarar com mais cuidado: a segurança dos cidadãos atingidos por esta bolha contestatária, a saúde pública e os direitos dos cidadãos. É óbvio que o clima de histerismo e ódio que tem caracterizado estas manifestações negacionistas, mais semelhantes a um bando de alucinados a requerer tratamento psiquiátrico, merece uma atenção reforçada das forças de segurança e uma proteção especial dos seus principais alvos. Por outro lado, coloca-se um problema ético de saúde pública, quando quem não quer ser vacinado convive, às vezes profissionalmente, com quem cumpriu as recomendações de vacinação da DGS. Como ultrapassar este problema em que a liberdade de uns (não vacinados) pode colidir com o interesse dos outros (os vacinados)? Associado a isto colocam-se problemas novos, de direitos, liberdades e garantias, para os quais temos que encontrar respostas: como atuar com um negacionista à porta de um hospital, de um restaurante ou de uma discoteca? É discriminatório proibir a sua entrada? É discriminatório exigir-lhe, em substituição do certificado, um teste PCR com menos de 24 horas? E quem deverá pagá-lo (o Estado ou o próprio)? A Itália acabou de considerar obrigatória a vacinação de quem trabalha em presença física com outros colegas, como forma de travar a infeção. Seguiremos o mesmo caminho?
O negacionista move-se, geralmente, segundo motivações determinadas por três elementos fundamentais: a) de natureza religiosa; b) por interesses inconfessáveis individuais ou de grupo; c) por interesse político. Convém estarmos atentos às motivações dos nossos negacionistas, para percebermos melhor quem os lidera e para onde correm.
INDÍCE SINTÉTICO DE RISCO DA SARS – CoV -2(*)
Na passada semana (13 a 19 de setembro) assistimos a uma significativa diminuição do risco em todos os indicadores, sendo de destacar a positividade dos testes que baixou de 3,6% para 2,5%, entrando, pela primeira vez, na zona de conforto.
- INDÍCE SINTÉTICO: 0,4877 (baixo risco)
- TENDÊNCIA: descida
- COR DO SEMÁFORO: verde
- DIMENSÃO PIOR: positividade dos testes
- DIMENSÃO MELHOR: número de novos casos
(*) valores médios semanais calculados no sábado – 18 de setembro.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.