Apesar de estarmos a assistir ao aumento da Covid em Portugal, numa 4ª vaga em plena consolidação, todas as atenções se concentram agora no modo como devemos conviver com o vírus, relativizar os seus riscos e caminhar para uma vida, tanto quanto possível, normal. Isto porque a vacinação progride de forma bem-sucedida, com os mais velhos já vacinados e os mais novos a iniciar o processo, esperando-se que até ao final de agosto 70% da população esteja vacinada.
As notícias que nos chegam de outros países mostram uma tendência para abrir a economia e a vida social à medida que a vacinação avança e a pandemia vai diminuindo. Os óbitos são agora muito menores e a atividade dos serviços de saúde muito inferior à verificada nas primeiras vagas. Todos os governos se preocupam agora mais com as medidas de retoma da normalidade do que propriamente com as medidas de contenção da Covid.
Entre nós, e com o crescimento da 4ª vaga, o Governo está no meio da ponte: por um lado tentar mitigar a expansão do vírus, por outro lado, tentar acompanhar o passo da abertura e normalização da vida social, num verão que se pretendia de recuperação para todos, empresas e cidadãos. Não é uma posição fácil e por isso percebemos alguma da contestação de especialistas e “opinion makers”.
As últimas medidas do Governo tomadas no último mês são bem reveladoras das hesitações e das dúvidas que a situação comporta. O cerco aos concelhos mais fustigados aos fins-de-semana foi uma medida muito criticada, mas justificada como forma de atrasar, mas não impedir, que a estirpe delta se propagasse a todo o país. Evitar-se-ia, assim, a rápida concentração de novos casos em poucos dias, projetando a evolução da pandemia por mais semanas, mas com menos incidência diária. A conclusão de que o vírus estava já disseminado por todo o território nacional fez cair em duas semanas tal medida, mas fica por saber se a ideia inicial fez sentido.
O encerramento dos restaurantes aos fins-de-semana, nos concelhos com mais incidência foi também uma medida mal recebida por empresários e clientes, argumentando que os riscos de contágio aos fins-de-semana seriam exatamente iguais aos registados durante a semana. O Governo, mais uma vez, tentou aqui criar uma solução intermédia, proporcionando aos restaurantes alguma atividade durante a semana, admitindo que essas refeições seriam mais de caráter profissional, com menos demora e menos pessoas, e as do fim-de semana com um pendor mais familiar, de convívio e mais demoradas. Este esforço para acomodar três valores importantes (a normalidade de vida, a economia e a proteção das pessoas) nem sempre revela coerência e pode tornar-se caricato em certas circunstâncias.
Nesta última semana, a exigência do certificado de vacinação ou de um teste comprovativo de ausência do vírus, nos termos em que foi pensado pelo Governo, vieram criar um novo clamor com os mais imaginativos argumentos: falta de equidade face a quem não tem dinheiro para pagar o teste, como se o acesso a um restaurante caísse no âmbito dos preceitos constitucionais da equidade; incapacidade dos restaurantes se responsabilizarem pelo controlo dos auto-testes presenciais, questão cuja pertinência não será totalmente disparatada; porquê exigir esta reserva de acesso apenas aos fins-de-semana e não durante os restantes dias, matéria sobre a qual o governo já se explicou, com alguma lógica, como acima vimos; e, ainda, a questão de que dando acesso aos restaurantes apenas a pessoas comprovadamente sem vírus, condenaria os restantes cidadãos a não poder entrar em restaurantes. Pois, é precisamente esta discriminação que permite manter os casos positivos em casa, sem poder sair, e não consta que esta privação da liberdade seja considerada inconstitucional.
Alguns governos estão agora a adotar medidas mais temerárias de abertura da economia e da vida social: Singapura traçou uma estratégia pró-abertura, mantendo algumas medidas profiláticas, mas criando condições para que se retome a normalidade plena, nas escolas, nas lojas, no lazer, na cultura, na atividade hoteleira e produtiva, no turismo. O Reino Unido caminha também no mesmo sentido, estando prevista, a partir do próximo dia 19, a liberdade total de circulação de pessoas sem máscara e com todas as atividade em funcionamento. Não é possível termos de momento um prognóstico sobre as consequências destas medidas, inclusive a nível internacional e até a sua repercussão em Portugal. E estamos convencidos de que o Governo português, sempre tão cauteloso, não adotará tão cedo este modelo de abertura. Mas convinha que fosse olhando para estas iniciativas com particular atenção porque os desafios se colocarão muito rapidamente, num mundo globalizado e fortemente competitivo e com o verão em cima de nós.
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