Apesar dos novos surtos e do caminho ascensional que o vírus tem apresentado nesta 4ª vaga, parece inexorável que nos encaminhemos para a sua integração no quotidiano sanitário, como mais uma doença a que qualquer um de nós poderá estar sujeito, com alguns casos de maior gravidade e alguns desfechos fatais. Devemos, por isso, prepararmo-nos para conviver com o vírus, numa sociedade livre e aberta e com uma economia a funcionar normalmente. A razão para este otimismo reside no avanço da vacinação, na sua eficácia e no impacto positivo que ela tem tido nestas circunstâncias.
Convém salientar que ainda vivemos um período pandémico preocupante, com elevada incidência de novos casos, alguns internamentos e doentes críticos, mas já com pouca mortalidade. Por isso, a vacinação é uma corrida contra o tempo já que a imunização da população representará a passagem do vírus à situação endémica, com uma continuidade larvar, poucos riscos para a grande maioria da população e pouca pressão sobre o SNS.
A comparação entre a última semana (25 de junho a 2 de julho, dia em que escrevo) e uma das semanas mais impressivas da 3ª vaga (22 a 29 de janeiro), esclarece-nos sobre as mudanças substantivas ocorridas no panorama COVID:
- O número de novos casos é agora de apenas 14% face aos verificados em janeiro, pese embora seja de prever ainda o seu aumento nesta trajetória ascensional;
- O número de doentes internados é de apenas 7% dos ocorridos naquela semana de janeiro;
- O número de doentes em cuidados intensivos é de 17% hoje face a janeiro, o que representa a maior proximidade aos valores de então, mas como se vê, ainda a uma confortável distância;
- O número de óbitos apresenta agora o valor de 1,4%, residual face ao mesmo indicador em janeiro. Regista-se na última semana um peso relativo crescente dos óbitos entre os 50 e os 69 anos e uma ligeira diminuição acima dos 70 anos.
Importará relativizar a mortalidade COVID face à mortalidade geral ocorrida no país, em janeiro e agora. Naquela semana de janeiro morreram em Portugal 4974 pessoas, das quais cerca de 40% com COVID (1966 cidadãos). Na última semana morreram em Portugal 2129 pessoas, das quais 27 com COVID (1,26%) (SICO-eVM, “Mortalidade em Tempo Real”, DGS/SNS). O peso da COVID na mortalidade geral reduziu-se, assim, drasticamente entre as duas semanas em análise e o efeito vacinação foi decisivo. Por um lado, porque os grupos em maior risco, os mais idosos, estão na sua grande maioria já vacinados; por outro lado, e ligado ao ponto anterior, são agora os grupos etários mais novos a contribuir de forma determinante para o aumento de novos casos, com menos carga de doença, menos internamentos, menos doentes críticos e menos mortalidade.
Na semana de janeiro em referência, 15% dos novos infetados diários tinham mais de 70 anos e na última semana o seu peso foi de apenas 5%. Em contrapartida, o peso da população com menos de 40 anos representava em janeiro 43% dos novos infetados diários e na última semana esse valor disparou para 64%. Fica assim claro que todo o foco preventivo e profilático deve ser orientado para a inclusão rápida da vacinação dos mais novos e também na assunção temporária de medidas de confinamento que impeçam ajuntamentos noturnos em convívios de rua ou festas, como o Governo bem percebeu ao declarar o recolher obrigatório depois das 23:00 h nos concelhos mais fustigados pela COVID. Como bom complemento para esta medida, regista-se o fim do ano escolar, com diminuição drástica de contactos entre os mais jovens, o que concorrerá para achatar a curva desta 4ª vaga.
Assistimos a um jogo de palavras entre as principais figuras do Estado sobre o estado da COVID. Da preocupação generalizada ao confinamento e ao estado de emergência vai um passo de gigante que ninguém quererá dar. Mas temos percebido nas entrelinhas que enquanto o PR relativiza mais o surto pandémico e suporta melhor os novos casos, o Governo confronta-nos diariamente com uma atitude de grande preocupação e com medidas de contenção. Penso que faz bem, tanto mais que é a incidência o grande indicador utilizado, talvez de foram redutora, pela grande maioria dos países, nomeadamente na Europa. E a alta incidência derrota qualquer veleidade que possamos ter na atração de turistas para este Verão quase perdido. Portanto, travar a incidência é um desafio prioritário que temos pela frente nas duas próximas semanas.
Importa saber sair bem do período pandémico, evitando excesso de medidas de confinamento, desdramatizando os riscos deste vírus, reabrindo o funcionamento da economia, tolerando as férias de verão, tratando bem e sem demora os doentes não COVID e preparando os portugueses para a endemia de COVID que se segue. O exemplo de Singapura deveria ser seguido.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.