Estamos desde a 63ª semana de Covid iniciada a 10 de maio, a viver a quarta vaga deste vírus. Isto significa que ao longo do último mês e meio o número de novos casos diários não tem parado de crescer, em valores médios semanais, e nesta última semana a subida foi mais expressiva.
A primeira fase de desconfinamento, na sequência da 3ª vaga, ocorreu entre 22 e 28 de março e ainda que com oscilações de descida e subida semanal de novos casos, o vírus foi-se mantendo dentro de limites de estabilidade ao longo dos períodos de desconfinamento subsequentes. Na semana em que se iniciou o último desconfinamento (3 a 9 de maio) tivemos até uma descida significativa de novos casos face à semana anterior, de cerca de 19 por cento. Tudo parecia correr bem: consolidação real da diminuição de novos casos, mesmo depois de passarmos por fases sucessivas de reabertura da sociedade e dos movimentos das pessoas. A surpresa surgiu logo na semana seguinte (10 a 16 de maio) com uma subida significativa de novos casos (+13%) que se tornou uma constante até ao presente. Entre 3 de maio e 26 de junho, os novos casos subiram 4 vezes, passando de uma média diária semanal de 329 casos para 1.333.
Não são números avassaladores, para quem já teve mais de 16 mil casos por dia. Mas esta espiral de crescimento, quando o processo de vacinação já chegou a cerca de 8 milhões de portugueses e quase 3 milhões estão já completamente vacinados, é de facto preocupante.
São várias as tentativas de explicação para este agravamento da infeção: a nova estirpe nepalesa, cuja capacidade de propagação parece ser substancialmente maior, a descontração com que as pessoas lidam hoje com o vírus, sem medo e muitas vezes sem respeito pelas regras básicas de proteção, os acontecimentos desportivos de Lisboa e Porto ocorridos em maio e o péssimo exemplo dado por um partido dito liberal, em festa no Santo António em Lisboa, uma das regiões mais fustigadas com novos casos. E, por fim, o próprio processo de desconfinamento que conduziu à revitalização da economia e foi lenitivo precioso para meses de clausura. As autoridades de saúde dizem que a variante nepalesa representará já 70 % dos novos casos e a forma rápida como ela se instalou entre nós dever-nos-ia merecer uma atenção redobrada sobre o controlo do vírus nos nossos aeroportos.
Ao contrário do que está agora a fazer uma grande maioria dos países europeus, Portugal não exerce especiais vigilâncias à chegada de visitantes ou no regresso de cidadãos portugueses ao território nacional. Confia nas declarações e deixa seguir as pessoas para os seus destinos sem nenhum controlo posterior. Esta postura “folgada” e nalguns casos de veneração por uma das mais importantes fontes de rendimento que temos – o turismo, torna frágil o combate ao vírus e prejudica a nossa imagem no exterior. No final do dia, prejudica o turismo que tanto se quer privilegiar. São linhas de orientação erradas, míopes e reveladoras de uma condução política sem critérios próprios e ao sabor dos interesses de terceiros.
É também verdade que o panorama pandémico é hoje muito menos grave do que foi nas outras vagas: menos internamentos, menos doentes graves, muito menos mortos.
De facto, desde o início desta vaga até agora o número de doentes internados subiu 53% (muito àquem da escala de crescimento dos novos casos) e nos cuidados intensivos o ritmo de crescimento foi de 30%. Para esta situação concorre predominantemente a estrutura etária dos novos infetados, com os residentes com menos de 20 anos a representar cerca de 20% dos novos casos diários e as faixas com menos de 40 anos a atingirem já os 60% do número de casos diários. Em sentido oposto, os casos com mais de 80 anos têm representado 1,5 a 3,5% dos novos casos diários durante este mês de junho, prova evidente do sucesso da vacinação prioritária dos mais velhos. Este cenário conduziu à diminuição da gravidade dos casos, a menos internamentos e menos óbitos (hoje temos cerca de 2,5 óbitos por dia, em média, indicador que pouco oscilou com o aumento brutal de novos casos verificado nas últimas semanas).
É sempre atrativo apontar culpados quando as coisas com a Covid estão piores. Tem sido assim ao longo deste ciclo pandémico já com 69 semanas de duração. O Governo tem que ter as costas largas para ser responsável por todos os insucessos, e às vezes essa responsabilidade direta é pública e notória como aconteceu no Natal e já antes, com a passividade demonstrada em outubro/novembro. Mas também os restantes partidos e os órgãos de soberania em geral deveriam ter um comportamento, na palavra e na ação, que por um lado contribuísse serenamente para o combate eficaz ao vírus e, por outro, evitasse criar sinais de pânico ou receios excessivos. O nosso futuro coletivo depende deste equilíbrio de valores, em que a verdade, a sensatez e o conhecimento se devem sobrepor aos entusiamos nacionalistas com o futebol, aos exibicionismos liberais de pacotilha ou à vassalagem prestada a instâncias exteriores, por medo, tibieza nos princípios ou manifesta incapacidade de decidir. Infelizmente, na última semana tivemos mais exemplos errados e contraproducentes do que sensatos e de promoção da nossa saúde. Esperemos dias melhores.