Uma das últimas novidades no país do Tio Sam é a publicação da Bíblia “God Bless the USA Bible”, que alguns consideram como “a Bíblia americana definitiva”, que inclui, além dos textos bíblicos na versão NIV (“Nova Versão Internacional”), a Constituição dos Estados Unidos, a Declaração de Direitos, a Declaração de Independência e o Juramento de Fidelidade, bem como o refrão manuscrito de “God Bless the USA”, de Lee Greenwood.
O caminho que o evangelicalismo americano está a trilhar há muito que não serve de inspiração para a Europa. A influência histórica da outra margem do Atlântico sobre o velho continente é notória, em especial nas confissões baptistas, pentecostais e carismáticas, entre outras.
Durante a segunda metade do século XX essa influência tornou-se quase hegemónica em termos estatísticos, uma vez que eram as confissões evangélicas dos EUA que dominavam o mundo em número de igrejas, fiéis e recursos financeiros, em especial depois da II Guerra Mundial, quando a religião começou a perder terreno na Europa de forma crescente.
O mesmo sucedeu no campo da evangelização e das missões. Nessa época o pregador americano Billy Graham realizou grandes campanhas religiosas em estádios, com vista a atrair as populações para a fé evangélica num continente destroçado. Mas a Associação Evangelística Billy Graham não se ficou por aí. O seu patrono desde o início da década de 70 que sentiu a necessidade de unir o segmento evangélico influenciando as lideranças através dum grande encontro mundial. Foi assim que nasceu o Congresso Internacional de Evangelização Mundial, que se realizou em Julho de 1974, juntando mais de 2.400 líderes de 150 nações em Lausanne, Suíça, e que a revista TIME descreveu então como “um fórum formidável, possivelmente o encontro cristão mais abrangente já visto”. Era necessário que as igrejas compreendessem as ideias e valores decorrentes das mudanças que ocorriam de forma acelerada na sociedade. Daí resultou o Pacto de Lausanne, redigido por uma comissão internacional presidida pelo conhecido teólogo britânico John Stott.
Na segunda metade do século foram ainda as igrejas americanas que enviaram milhares de missionários para todo o mundo, de certa forma associando a mensagem da fé à ideia da América como país cristão e, debaixo da superfície, enquanto esforço para combater a influência comunista no continente.
Em 1878 os americanos e aliados europeus de língua inglesa impulsionaram o fundamentalismo protestante em reacção contra a teologia alemã, através do Credo de Niagara. O movimento evangélico surge depois, já nos anos quarenta, expurgado das posições mais extremistas que haviam caracterizado o fundamentalismo protestante anglo-saxónico e numa tentativa de encontrar algum equilíbrio. Billy Graham terá sido porventura o maior expoente deste segmento religioso, mas desde os anos setenta que a hegemonia americana do movimento evangélico começou a ser posta em causa, em parte pelos teólogos sul-americanos que começaram a realçar a importância do evangelho social, com o qual os missionários norte-americanos não se importavam mesmo em regiões tão deprimidas e socialmente deslaçadas como a América Latina.
Entretanto, o envelhecimento e morte de Billy Graham marcaram o fim duma época que se pode caracterizar como de nacionalismo cristão branco, e que não serve de modelo para os europeus, com a agravante de nos últimos anos os nacionalistas americanos persistirem em misturar símbolos cristãos com o extremismo de direita e com os supremacistas brancos, na linha do Klu Klux Klan de má memória.
Não sejamos cúmplices com o “mito do excepcionalismo americano”, que se baseia na ideia absurda de que Deus abençoa esse país como nenhum outro. Segundo Jamie Aten e Kent Annan “Dentro do nosso país há uma crença de que ele ‘pertence’ apenas aos primeiros colonizadores, e uma Bíblia que abençoa as suas atitudes violentas coloca os outros cidadãos em risco, especialmente os negros e mulatos, mas também outros povos vulneráveis em todo o mundo”.
O ideal para a fé evangélica é que Europa e América sejam parceiras e não uma subserviente à outra. Jana Duckett afirma que Jesus Cristo não morreu “para que o ‘sonho americano’ se realize em nós”. Deixemos os cristãos americanos seguirem o seu caminho, mas os europeus precisam de escolher o seu. Se a teologia americana decidiu traçar um caminho autónomo, desde o final do século XIX, é altura de a teologia europeia fazer o mesmo no século XXI.