Agora que parece que os ventos da pandemia são mais suaves e os seus efeitos mitigados, será tempo de olharmos para trás e percebermos o comportamento dos diferentes agentes políticos ao longo destas 60 semanas vividas sob a pressão constante do vírus.
1. O Presidente da Republica, que agora terminou estes longos 6 meses de estado de emergência, e o Governo, tiveram sempre uma posição concertada no decurso desta pandemia, mesmo que, por vezes, fossem muitas as vozes que queriam ver divergências aonde apenas havia diferentes modos e tempos de fazer passar a mensagem. Nunca divergiram no essencial e a sua solidariedade foi um fator de coesão nacional que muito contribuiu para a tranquilidade que vivemos nestes períodos longos de confinamento, respeitando as decisões, colaborando bem na sua implementação, mesmo quando as consequências atingiam os salários, o rendimento dos negócios ou o próprio emprego. O governo teve, aqui, papel primordial na capacidade de diálogo que manteve com todas as forças sociais, as empresas, os sindicatos e as instituições de solidariedade social, e na resposta que foi dando na reparação possível dos prejuízos causados pela pandemia.
Claro que esta intervenção concertada não esteve isenta de erros, principalmente quando, para aliviar as empresas e a Economia, se adiava a óbiva necessidade de confinamento, como ocorreu em outubro e depois, de forma ainda menos desculpável, no Natal.
É também verdade que o Presidente da República, o Governo e os partidos políticos, designadamente, tiveram uma informação privilegiada e permanente, nem sempre convergente e bem filtrada, de variadíssimos peritos, sobre os diferentes ângulos de análise do vírus e das suas consequências. Ficaram para a posteridade as divergências sobre o uso ou não das máscaras, os riscos associados ao funcionamento das escolas ou ao uso dos transportes públicos, o falhanço da aplicação “stayaway covid”para sinalizar casos suspeitos, as cercas sanitárias ou a sempre anunciada rutura do SNS e o recurso aos setores privado e social. Mas foi um período em que todos aprendemos muito sobre pandemias, vírus e formas de os mitigarmos.
2. Os partidos políticos com representação parlamentar participaram diretamente nas decisões mais importantes sobre o controlo do vírus, pois a Assembleia da Republica foi discutindo e aprovando quinzenalmente, num ritmo e num modo que a certa altura se tornou penoso e burocrático, as autorizações necessárias para a promulgação do estado de emergência. E todos registámos, com alguma surpresa inicial, as posições mais radicais contra o confinamento vindas de partidos mais à esquerda e mais à direita, num despropósito argumentativo que chocava qualquer pessoa de bom senso. Ora estavam em causa as liberdades individuais e o direito de reunião, como se isso tivesse particular importância quando todos sentíamos a força do vírus, com os internamentos e os mortos que diariamente eram revelados. Ora porque a solução estaria em dotar o SNS com mais recursos para responder a mais doentes, esquecendo que as doenças transmissíveis se resolvem cortando as vias de contágio, quer diminuindo contactos quer através da vacinação. Organizar festas, comícios e congressos e depois pedir mais recursos para a saúde, foi uma atitude caprichosa e irresponsável que mereceu a justa censura da população em geral.
3. O Ministério da Saúde, a Direção-Geral da Saúde, os hospitais e os centros de saúde, representaram a gestão técnica e operacional desta pandemia. Em termos globais, o comando central, entre a Ministra da Saúde e a Diretora-Geral da Saúde, pautou-se sempre pela disponibilidade e transparência, pelas conferências de imprensa diárias (depois criticadas e abandonadas), pelas centenas de orientações técnicas sobre todo o tipo de questões relacionadas com a pandemia (normas de prevenção e proteção, de testagem, de orientação dos casos positivos, de modelos terapêuticos a adotar, de vacinação,etc.), pela paciente negociação com aqueles que a toda a força quiseram manter manifestações políticas que o Governo foi tolerando ao limite, pela capacidade e resiliência com que a Ministra da Saúde foi dotando os hospitais com mais recursos, humanos e materiais, negociando a colaboração do setor privado mas resistindo às pressões para passar para este parte dos doentes, sem critério e sem razão, respondendo aos graves problemas que vinham dos lares e do setor social em geral. Não foi naturalmente um trabalho imaculado, face a um fenómeno absolutamente novo e imprevisível que ziguezagueava pelo país sem dar tréguas. Tivemos falhas graves da parte dos cuidados primários (e o exemplo de Reguengos de Monsaraz aí está para o demonstrar), tivemos uma interrupção inexplicável no atendimento de doentes não covid em toda a rede do SNS (cuidados primários e hospitais), a Saúde Pública, com uma crónica e ancestral falta de meios, não foi capaz de manter a forma expedita e rápida de seguir linhas de contágio, testar suspeitos e realizar inquéritos epidemiológicos.
Mas os hospitais públicos estiveram à altura do desafio, mesmo quando em pré-ruptura momentânea, como ocorreu em Penafiel, no Santa Maria ou na Amadora. Rapidamente se mobilizaram vontades e o espírito solidário da rede hospitalar respondeu de imediato. Importa dizer que o ataque ao vírus nos hospitais, se foi adaptando ao que a melhor evidência internacional em cada momento aconselhava. Deixámos muito cedo de internar doentes com sintomas leves, ultrapassamos depressa a ideia errada de ventilar os doentes à mínima dificuldade respiratória, adotamos, off-label, os medicamentos mais adequados para o tratamento, desenvolvemos as melhores técnicas nos cuidados intensivos. Não faltaram recursos, nenhum doente Covid ficou para trás e, talvez por isso, e apesar da elevada mortalidade verificada na 3ª vaga (janeiro e fevereiro deste ano), tivemos muitos infetados, é certo, mas uma das mais baixas taxas de letalidade da Europa.
4. O aparecimento das vacinas, cuja rapidez nunca é de mais assinalar, representou o ponto de viragem no combate ao vírus, como aliás se esperava. Os países que têm já um nível geral de vacinação significativo e que tomaram as boas opções em matéria de prioridades apresentam, hoje, muito menos doentes graves e muito menos óbitos.
Portugal demorou a acertar o passo quanto ao plano de vacinação, mas a evolução tem sido agora muito positiva. Isso é bem visível na descida drástica do número de infetados, pelo efeito simultâneo das vacinas e do confinamento, mas sobretudo pela redução da letalidade nos novos casos. Em termos gerais, e para uma taxa de letalidade acumulada desde o início da pandemia na ordem dos 2%, no último mês essa taxa foi inferior a 1%, o que diz bem da travagem radical na mortalidade por COVID. A vacinação dos mais velhos e a opção de vacinar por camadas a partir dos mais idosos para os mais novos, independentemente das profissões, foi uma medida correta com resultados hoje inquestionáveis.
5. Tivemos, neste período, que lidar com grupos mais ou menos organizados de negacionistas e libertários de todos os matizes. Todos relativizando, quando não mesmo negando, os perigos da COVID, comportando-se sem respeito pelas regras de confinamento e de proteção individual e apelando à desobediência. Foram também estes que mais questionaram os benefícios das vacinas, ou porque foi tudo feito muito depressa e elas não são boas, ou porque trazem grandes riscos para quem as toma e sendo assim será melhor não as tomar. Enfim, um chorrilho de disparates que, felizmente, a realidade se encarregou já de desmascarar. Felizmente eram poucos e facilmente foram isolados.
A esmagadora maioria dos portugueses teve, nesta pandemia, um comportamento exemplar. E não falo tanto dos que têm elevados níveis de vida e mantiveram os seus padrões de conforto e de qualidade. Falo, sobretudo, dos remediados e dos pobres, que vivem em habitações exíguas, de má qualidade e sobreutilizadas, que tiveram de continuar a utilizar transportes públicos de elevado risco, que tiveram, muitos deles, de continuar a trabalhar em presença física, assumindo riscos acrescidos, que viram diminuídos os seus salários ou ficaram desempregados, que tiveram que pedir a suspensão do pagamento das suas casas e que agora não sabem como retomar esses compromissos, que abdicaram do seu conforto e bem-estar, na alimentação, na educação dos seus filhos ou na ocupação dos tempos livres. Foram exemplares no cumprimento das determinações das autoridades de saúde, não entraram em desespero e mantiveram dignamente o caminho das suas vidas.
Espera-nos um futuro próximo mais tranquilo, mas convém não baixar a guarda porque o vírus não respeita fronteiras nem continentes. E Portugal tem uma posição particularmente exposta, pela sua história e pela sua localização geográfica, a migrações de vários pontos do mundo, de África, da América e da Ásia, para já não falar do nosso intercâmbio permanente na Europa. Importa perceber que o combate à pandemia é desigual em latitudes diferentes, por questões de desenvolvimento e pelo modo de atuação dos diferentes governos. E isso pode acarretar a transição rápida de novas estirpes de um continente ou país para outros, o que colocará sempre novos problemas na resposta. Mantenhamo-nos, por isso, atentos e vigilantes, sobretudo no controlo das fronteiras, agora que o mundo parece querer voltar a abrir – se aos negócios e ao turismo.