O Canal do Suez pertence à Autoridade do Canal do Suez, que por sua vez pertence ao Governo Egípcio. Nenhum navio pode navegar no canal sem ter piloto a bordo, piloto esse que trabalha para a Autoridade do Canal do Suez. Os rebocadores, os pilotos do canal, e todo o pessoal ligado à travessia do canal depende e trabalha para a Autoridade do Canal do Suez.
Teoricamente, qualquer incidente com navios durante a travessia seria ou da responsabilidade do armador do navio, caso houvesse falha técnica ou erro humano da parte da tripulação, ou da responsabilidade do piloto egípcio, caso houvesse erro da parte deste ou se viesse a provar que o incidente teria sido devido a qualquer causa relacionada com a manutenção da navegabilidade do canal.
Contudo, de acordo com a Lei Marítima, o último responsável pela navegação do navio é o Comandante do mesmo, e por sua vez o Armador, dado que o Comandante é o representante daquele a bordo. Ou seja, mesmo que o piloto do Suez cometa um erro grosseiro, o Comandante/Armador será sempre responsabilizado por isso, por mais absurdo ou injusto que possa parecer.
Consequentemente, mesmo em casos em que há um incidente de navegação por uma ordem mal emitida pelo piloto, será o armador e eventualmente a seguradora do navio que terão que arcar com as despesas inerentes à resolução do problema.
Já passei pela tremenda experiência de um encalhe durante uma travessia do Canal do Suez, que resultou em despesas muito avultadas para o armador e seguradora.
O navio, carregado com uma carga completa de cereal, ao bater na margem direita do Canal, perdeu a capacidade de manobra e sucessivamente foi rodando e simultaneamente batendo com a proa e a popa em ambas as margens alternadamente. Isto resultou em danos muito graves na hélice e sobretudo no leme do navio, que perdeu totalmente a navegabilidade.
Na altura, as despesas envolveram o reboque do navio para fora da zona de navegação do canal, reboque para um fundeadouro, e depois reboque para um cais de espera onde se efetuou a remoção do leme danificado. Dada a gravidade dos danos, a reparação só pôde ser feita em estaleiro, e para isso teve que se fazer o transbordo da carga para outro navio, que substituiu o navio acidentado no transporte da carga para o porto de descarga. A operação de transbordo da carga foi extremamente dispendiosa, bem como os custos diários do navio fretado até ao final das operações de descarga no porto de destino. Depois de descarregado, o navio acidentado foi de novo rebocado, desta feita para um estaleiro onde receberia um leme novo e se fariam as reparações necessárias para restaurar a sua boa navegabilidade.
Todo o tempo em que decorreram estas operações, bem como a própria reparação em estaleiro, correu por conta do armador e respetiva seguradora – e estamos a falar de muitos meses e alguns milhões de dólares, tanto em danos emergentes como em lucros cessantes.
Temos assistido a demasiados incidentes com navios durante a travessia do canal do Suez, alguns absolutamente incompreensíveis, sobretudo quando pensamos que cada comboio de navios navega num só sentido nas zonas mais estreitas e em princípio o canal representa uma espécie de auto-estrada Maritima sem grandes dificuldades em cada sentido.
Com o aumento galopante das dimensões dos navios, nomeadamente porta contentores, ULCC e navios de transporte de minério de ferro, qualquer falha durante a travessia pode ter consequências tremendas, como foi o caso do “Ever Given”, cujo comprimento excede a largura do próprio Canal e assim impediu a circulação dos navios em ambos os sentidos.
E as falhas podem ser de vária ordens, como avaria na máquina do leme, avaria no sistema de navegação, avaria na máquina principal, ou simplesmente erro humano, o causador dos principais acidentes marítimos. Por outro lado, os navios têm tripulações cada vez mais reduzidas, o cansaço faz-se sentir cada vez mais devido a falta de horas de descanso, resultando, por vezes, em situações desastrosas.
No entanto, não nos esqueçamos que também os pilotos egípcios cometem erros, alguns graves, que infelizmente são ignorados e abafados, seja por questões politicas, seja pelas próprias circunstancias da Lei Marítima de que falei acima.