Para o melhor e para o pior, 6 de janeiro de 2021 ficará gravado nos livros de história dos Estados Unidos da América. A invasão do Capitólio, em Washington D.C., por uma turba de arruaceiros veio demonstrar, uma vez mais, que Donald Trump e boa parte dos seus apoiantes não têm e nunca tiveram o menor respeito pela democracia. A profanação do “edifício do povo”, para impedir que as duas câmaras do Parlamento (Senado e Câmara de Representantes) certificassem o resultado das eleições presidenciais de 3 de novembro, tratou-se de um ataque sem precedentes que só surpreende pela dimensão. Há semanas que tudo isto estava a ser preparado de forma mais ou menos óbvia. Na segunda-feira, 4, Enrique Tarrio, o suposto líder dos Proud Boys, o grupo neofascista de que o 45º Presidente tanto gosta, foi detido na capital americana quando organizava a marcha Stop the Steal (Parem o Roubo) e as ações diretas contra as alegadas fraudes eleitorais que ditaram a vitória de Joe Biden e de Kamala Harris. No entanto, pouco ou nada parece ter sido feito para neutralizar este plano manifestamente criado para subverter o veredito popular e intimidar os congressistas durante a sessão desta quarta-feira à tarde. O próprio chefe de Estado ajudou à insurreição ao anunciar, horas antes, que jamais se daria por derrotado e ao apelar ao seu vice-presidente, Mike Pence, para que tivesse coragem e anulasse os resultados do escrutínio para que ambos cumprissem um segundo mandato até 2024. E o que parecia inimaginável aconteceu mesmo: uma multidão de vândalos entrou no edifício do Capitólio, alguns erguendo a bandeira dos Confederados, símbolo dos estados racistas e perdedores da Guerra Civil (1861-1865), enquanto outros tiravam selfies com polícias simpatizantes da causa conspiracionista ou se faziam fotografar nas salas nobres, ao mesmo tempo que os membros do Congresso se barricavam nos gabinetes ou se escondiam em pânico.
Após mais de quatro horas de pilhagens, tumultos e caos, a Guarda Nacional acabaria por repor a ordem, não sem antes ficar a saber-se que quatro pessoas foram mortas na refrega e que as contas de twitter e de Facebook do Presidente ficaram bloqueadas sine die. Noite adentro e já com o recolher obrigatório em vigor, os trabalhos parlamentares foram retomados e, quando já passava das oito da manhã em Portugal, Joe Biden era formalmente declarado como o vencedor das eleições de há dois meses, ficando a 13 dias de tomar posse como 46º Presidente dos EUA. O golpe institucional apadrinhado por Donald J. Trump ganhou um lugar especial nos compêndios de ciência política e o ainda inquilino da Casa Branca pode, talvez, ter assinado, a 6 de janeiro de 2021, o seu suicídio político. Para já, a democracia americana resistiu à intentona mas as suas fragilidades estão bem visíveis. Como têm vindo a alertar vários académicos e analistas, a violência política faz agora parte do quotidiano daquela que julgávamos a mais importante democracia do mundo. O facto de haver quase seis centenas de milícias armadas e grupos extremistas como os Proud Boys é a prova de que a “cidadela da liberdade”, para usarmos uma expressão cara a Joe Biden, continua sob assédio.