Parece que será esta a imagem que daqui a algumas semanas poderemos aplicar à vivência em desconfinamento que teremos de construir nos próximos meses. Lugares numerados nos espetáculos, lotações muito bem definidas, distâncias garantidas e, até, cabeleireiros por marcação. A praia não deve fugir a uma regra de lotação, para além de se reger a ida ao areal por um afastamento que negará qualquer contacto dos corpos.
Para além do que esta lotação nos espaços de cultura implica de redução de vivência, esta realidade vai ainda implicar uma retoma muito lenta de uma variedade imensa de negócios, uns mais sazonais que outros, que precisavam da “enchente”, fosse da praia ou do espetáculo, para serem rentáveis.
Mas o dado fundamental vai residir na noção de libertação que damos à fruição, ao prazer. Esta, a ideia quase inconsciente que temos de liberdade associada ao lazer e ao ócio, é que vai receber um duro golpe. Ir à praia vai voltar a ter, como no início do século XX, um valor terapêutico, de higiene, longe das lógicas do encontro de amigos, turmas e turbas de gente que via no areal um tempo fora dos constrangimentos sociais.
É claro que este meu discurso pode parecer catastrofista e nada fundamentado. Apenas por estes dias se começa a falar nestas possíveis e futuras restrições, mas nada há ainda de concreto. Mas é quase acerta a implementação de medidas que nos vão obrigar a vivenciar a cultura, o lazer, o espetáculo com normas de afastamento corporal e com hora e data muito bem definida. O espontâneo precisará de ser planificado.
Mas, no limite, poderemos ter senhas de racionamento de praia que permita que portadores de certas doenças possam ir para lugares reservados? Poderemos ter quotas de entrada para algumas minorias, ou maiorias?… que desigualdades se vão criar com base em discriminações que podem surgir tão facilmente como através do falsear entradas nas praias? E que arbitrariedades terão lugar?
O encontro fortuito, o choque acidental numa corrida para a água que resulta num olhar blasé que de indiferente nada tem e que dá fogo a uma paixão inesperada. Onde fica o espaço mental do não planificado, da nesga de responsabilidade que tem o acaso?
Conheceremos menos pessoas, seremos menos abertos à diferença, fechados em tribos ou famílias muto mais pequenas e restritivas. Olharemos um grupo que se toca como um bando de irresponsáveis e mesmo um encontro entre dois amantes nada poderá ter de casual.
O flirt terá de ser programado e gerido através de uma senha “tipo talho” que nos gere as oportunidades de “sair da caixa”?
No ridículo inimaginável, teremos cédulas de namoro que ressalvem a possibilidade do beijo em público?