Todos ansiavam por este momento. Depois de semanas confinados, depois de semanas a sonhar com um pouco de movimento, com o regressar à normalidade, foi-se instalando o “clima” e… aconteceu!
Estamos oficialmente em processo de nos “desconfinarmos”. Não é de um dia para o outro, mas será longo e gradual esse processo. E como se desejava o arranque deste processo, mesmo que para muitos seja o manter exatamente de tudo o que até agora se fazia ou, melhor, se não fazia. Mentalmente, está passada uma barreira mental.
Mas as alterações trazidas na última “proclamação” do Estado de Emergência residem, acima de tudo, dois aspetos nada pequenos. Por um lado, há que regressar à economia, começando a produzir, antes que os efeitos da paragem sejam piores que os da pandemia em si. Com umas poucas semanas de distância, é o assumir, contra todos os discursos feitos no auge do pânico, que teremos de conviver com a doença para salvar a economia.
Isto é, também, o assumir por parte do Estado da sua incapacidade para tapar os buracos da crise, leia-se déficit, para lá do que já hoje se vislumbra como inevitável. Sim, vai morrer gente porque não vamos parar completamente…. Sim, no equilíbrio entre o confinar e o abrir, na definição do melhor momento para minorar os riscos, temos de afirmar que, sim, uma vida tem um preço: o individual terá um “preço” perante a opção pelo coletivo.
Por outro lado, o regresso a uma normalidade difusa que terá um certo sabor à normalidade antiga é também o assumir dos limites da espécie humana, gregária e sociável nos mais pequenos pormenores da vida. De namorados separados a famílias que não se visitam, o isolamento cria um eremitismo para o qual a larga maioria de nós não está vocacionado nem tem, sequer, as ferramentas para com ele dialogar e, assim, sobreviver são durante umas semanas.
A pouco e pouco, teremos um regresso de algum comércio, de passeios mais alargados e até de alguns eventos culturais. Voltaremos a ir ao local de trabalho e regressaremos às esplanadas, para além de se replanificarem férias, assunto para o qual já fomos “convocados” a fazer “cá dentro”.
É o processo que se aguarda e que é, ele sim, normal porque esperado. A normalidade que vamos ter continuará a ser anormal, mas o processo é o que era desejado, é o que era inevitável, é a afirmação daquilo para que serve a política: decidir os principais de mudança.
A partir deste momento, há um grupo de políticos que, finalmente, afirmaram aquilo para que foram eleitos: decidir. E é uma decisão arriscada, das mais arriscadas das suas vidas, e muito mais arriscada que qualquer decisão que cada um de nós alguma vez venha a tomar.
Será brutalmente fácil dizer que foi tardia a decisão, pegando nos argumentos de quem perdeu já os seus empregos e de quem vê a economia a afundar-se, criando desemprego e instabilidade social. Será, também, de uma facilidade tremenda dizer que foi prematura esta abertura à luz dos pequenos surtos que ainda vão surgir, à luz dos mortos que muitos dirão que poderiam ter sido evitados com a manutenção de todos em casa.
Mas é este o preço que paga quem decide e tem de, num certo momento, ter coragem para decidir. E o sistema representativo é isso mesmo, o passar da capacidade de decisão para um grupo de representantes que receberam a sua legitimidade pelo voto.
Essa passagem de responsabilidade que é o centro dos regimes representativos acontece por facilidade nos processos decisórios e, convenhamos, porque a assembleia representativa é imagem do todo coletivo. E é por estas razões que ela decide em nome do todos, assumindo o ónus da responsabilidade, libertando-nos.
Pensei muitas vezes como se sairia desta situação de confinamento. Fez-se da melhor forma, com decisão ponderada, mas não adiada; ouviram-se os especialistas, mas os políticos tiveram a coragem de decidir; ganhou a eficácia dos gestos, e não a hesitação.
Fez-se política nesta decisão. Reforçou-se a democracia.