Uma viagem rápida pelas redes sociais leva-nos a uma constatação quase imediata: há um sentir transversal que afirma que nada ficará como antes após esta pandemia. Eu próprio já escrevi sobre o assunto, seja no que respeita ao ensino, onde o ensino à distância está a ter a sua oportunidade para desfazer os preconceitos que conta si existiam, quer no campo da saúde, o mais óbvio de todos.
Mas esse sentir alcandorado na mudança não se refere a uma mudança setorial. É um sentir de mudança geral, de fim de ciclo, de fim de paradigma social e político. Muitos falam em mudanças muito profundas, começando pelas ecológicas, pela relação com a natureza, mas também na ideia de progresso, de crescimento económico, de capitalismo e mesmo de democracia. Quando não sabem muito bem o que dizer, diz-se, simplesmente, com o tom de fatalidade inevitável, “nada vai ficar como dantes”, sem se imaginar o que isso significa.
E não se sabe o que significa porque se está numa narrativa que nada tem de racional. Está-se no campo dos desejos, num campo próximo ao de uma adesão à pandemia como um castigo, um reação na natureza ou mesmo transcendente (veja-se aqui o nosso texto “Gaia, para lá de nós”. A mudança é um desejo; desejamos ver mudança em qualquer evento que abane uma sociedade que representamos de forma negativa.
Também após o 11 de setembro de 2001 todos dissemos que o mundo não iria ser o mesmo. Os vaticínios de fim de uma Era também correram os mesmos caminhos depois da crise financeira de 2008. E o resultado foi um rotundo não à mudança. Tal como Thomas Kuhn tão bem defendeu, uma mudança de paradigma só tem lugar quando o anterior estiver completamente esgotado. Até lá, o modelo que agoniza irá fazer tudo para se manter vigente.
Não sei se o nosso modelo de sociedade está moribundo ou perto disso. Sei que tem muitas margens perdidas na sua voragem, muitas falhas e muitos sonhos por cumprir. Mas também sei nunca a nossa espécie desenvolveu uma sociedade como a nossa. Apesar de todas as falhas, nunca fomos tão humanos, tão desenvolvidos, tão capazes de fazer frente aos males que nos assolam.
Talvez por isso, por exigência de ir ainda mais longe, temos o desejo de mudança, criando uma perceção desfasada da realidade. Desejamos que algo mude, mas sabemos que pouco mudará no sistema. O desejo de mudança é um grito que ecoará por pouco tempo até se regressar a uma normalidade que vai ser, naturalmente, muito semelhante à anterior.
Muitos de nós terão as suas vidas muito complicadas com a crise económica mais que certa. Mas o sistema manter-se-á no seu essencial.
Afinal, a máxima “vai ficar tudo bem” diz exatamente que queremos regressar ao que era antes.