Dizem os suportes digitais, assim como os mais tradicionais como o Borda d’Água, que a primavera chegou. Até o horário de verão já nos tirou mais uma hora de sono na noite da sua cíclica implementação.
Todos os anos é assim, quando os dias já são claramente maiores e os ritmos do dia-a-dia pedem que o crepúsculo tenha lugar mais longe, numa hora mais avançada, dando-nos tempo de sobeja para trabalhar mais, mas também para ir tomar um copo depois do trabalho, para viver mais a luz que nos agracia numa nova fase do ano.
Mas este ano está a ser diferente. Não que a Terra esteja a dar a volta ao Sol de outra forma, alterando as estações do ano. Não que a flora e a fauna não estejam a fazer o que Mãe Natureza lhes diz. Tudo está certo, perfeito e regular a nível climático. Exceto nós que este ano não estamos a colaborar com a mudança que o mundo tem nesta fase. Não vamos ver a luz do Sol, não vamos ao campo, não saudamos o mar, dificilmente sentimos, sequer, o vento no rosto quando nos abeiramos de uma janela. Parece que estamos a ficar fora da natureza.
Este ano, um pouco por todo o hemisfério norte, o tempo de correr para os campos para viver esse despertar de vida é exatamente o momento de ficar quieto, afastado, apartado da natureza e dos ritmos que nos colocam em sintonia com o cosmos.
Para quem está confinado, em casa, esta primavera é como que um longo outono. Não que o tempo seja cinzento, mas porque ficamos num tempo suspenso, alheados do tempo. Se não alheados, pelo menos impossibilitados de com ele nos pormos em comunhão.
Se o curso da rotação terrestre tende para sul, trazendo para a nossa longitude uma luz mais quente, nós, impossibilitados de receber essa luz mais forte, parece que migramos mentalmente mais para norte, que nos refugiamos onde o calor falta e os corpos se obrigam a menos contacto, a menos abraços e a toques menos efusivos.
Somos assim nós em estado de quase quarentena. Latinos que acabámos de eleger um Presidente de “afetos”, somos hoje obrigados a sublimar essa necessidade do contacto com a recusa ao toque, como se fosse alguma prática pecaminosa.
É um lugar comum dizer que nas terras onde as neves são a paisagem de grande parte do ano, as gentes não se dão como cá. Se é verdade essa ideia feita, então nós estamos mentalmente em franca aproximação a essas longitudes mais a Norte. Se é verdade essa ideia que nos incutem e que nos diz que na direção do setentrião as pessoas são menos dadas, mais fechadas nos seus espaços e individualidades, então nós estamos nesse caminho.
Como sairemos desta grande aventura de espécie que estamos a ser obrigados a viver? Diferentes, sim. Ficará o “toque” marcado, tocado como que por um vírus de impureza? Regressaremos aos beijinhos? Não àqueles que colocamos no final de uma mensagem, mas àqueles que dávamos no rosto de toda e qualquer pessoa com que nos cruzássemos…
Perderemos o toque fácil no braço, no ombro, na mão? Fechados, estaremos nas nossas casas ao final de tarde quando o sol desponta e as esplanadas nos chamam?
Ou tudo não passará de uma noite que ficará nas memórias, que levará a aprendizagens, mas não nos tirará o desejo de Luz, de Sol, de abraços e de carinho?