Sou conhecida entre os meus por ser esquisita com prendas. Dizem que, além de ser bastante exigente e difícil de agradar, não consigo disfarçar quando não acertam e que invariavelmente demonstro a minha desilusão com um comentário ou uma expressão. A verdade é que, não fazendo por mal e muito menos por ingratidão, gosto demasiado de oferecer presentes aos outros para fingir que é coisa de pouca importância. Sinto que quando não acertam é porque ou não me conhecem tão bem assim ou estiveram desatentos ao longo do ano.
É que eu sou daquelas que gostam de pensar nos presentes com antecedência, que estão atentas aos comentários que revelam os pequenos desejos das pessoas próximas para os apontar. Sou das que gostam de fazer surpresas, de personalizar e fazer os próprios presentes, além de ficar excitadíssima com a antecipação do momento da oferta.
Até por isso, sou da opinião de que quando não se sabe o que oferecer, mais vale não oferecer de todo, porque não há pior do que dar qualquer coisa. Sendo que, na mesma lógica, quando encontro um presente ideal numa qualquer quarta-feira aleatória, gosto de oferecer de surpresa sem precisar de esperar pela próxima festividade.
Não se pense, porém, que se trata de materialismo. Nada disso. Não falo de coisas caras, são coisas simples na maioria das vezes. Pode ser uma flor do jardim, um poema ou uma fotografia. Pode ser um bolo de chocolate feito em casa, um passeio planeado ou uma cassete com músicas selecionadas. O que interessa é que se sinta que a pessoa pensou em nós, escolheu para nós, preparou para nós, e que aquela prenda, naquele dia, não poderia ser para mais ninguém.
Não se pense também que, por gostar de presentes, sou adepta do Natal. Acho até que o Natal é a pior altura para os presentes que se querem pessoais. Está tudo cansado demais para escolher boas prendas, e acaba por se banalizar esse delicado processo de antecipação como mais um afazer. Gosto dos aniversários, porque os aniversários são os dias em que celebramos a existência das pessoas em particular.
Ora sucede que eu faço anos poucos dias antes do Natal e isso tem complicado as coisas para o meu lado. Primeiro, por causa do tal cansaço da época. As pessoas já têm as suas listas de presentes para comprar, e o meu (mesmo que de aniversário) é apenas mais um. Além disso, desde a infância que é comum juntarem os dois presentes num só, até porque a minha festa de aniversário se funde muitas vezes com o encontro natalício de tios e primos e, numa só leva, resolve-se o bolo de anos e o bolo-rei, celebra-se a Ana e o menino Jesus e, como ninguém compete com Ele, raramente há presentes diferenciados, para diferenciar devidamente a (minha) ocasião.
Além dessa, a desvantagem de fazer anos perto do Natal estende-se ao facto de só recebermos presentes uma vez por ano. Não há dois momentos para dar vazão à wishlist e, portanto, se é apenas uma a oportunidade, a gente valoriza-a e cria expectativas.
Com o tempo e a maturidade, arranjei uma boa solução. Continuo a pensar nos presentes para os outros e a escolhê-los criteriosamente, mas para dar menos trabalho, transferi a tal expectativa para mim própria e agora compro os meus próprios presentes de aniversário e Natal. É que além de ser uma boa forma de dar alguma vazão à tal lista de desejos e uma ótima forma de retirar pressão dos outros, tenho a garantia de ficar sempre feliz ao rasgar o papel de embrulho, e consigo celebrar a minha existência e as minhas vitórias gastando uns trocos com as minhas próprias vontades.
Claro que é preciso escolher bem onde gastar o dinheiro e, este ano, escolhi comprar de um artesão de arte popular minhoto e de uma ilustradora do Porto. De artista local para artista local. Retribuindo o apoio que tantos me têm dado nos últimos meses, indo aos meus concertos, comprando os meus discos e (melhor ainda) oferecendo-os de presente a quem amam. É que esse, já se sabe, é mesmo o melhor presente (e nisso tenho sido sempre uma sortuda).
(Crónica publicada na edição 1451 de 24 de dezembro)