Castigar NÃO é sinónimo de bater, mas apenas censurar, de alguma forma, um comportamento que passou dos limites. Admoestar, portanto, como num sistema arbitral de cartões amarelos e vermelhos.
No apontar caminhos em que a educação consiste, é necessário semáforos e coimas. Uma criança só entenderá que não pode dar largas à sua vontade e que tem de se autocontrolar se tiver reforço positivo para os comportamentos adequados, mas também alguma forma de sentir os comportamentos errados.
Cada família terá os seus limiares para castigar, e também uma escala de castigos mas terá de haver limites também para esses castigos, os quais evoluem com o tempo e com as sociedades; inclusivamente, algumas práticas aceites há escassas décadas são agora criminalizadas.
No Antigo Testamento (Provérbios XXIII, 13) pode ler-se: “Não deixem de disciplinar os vossos filhos. Se lhe bater com uma vara ele não morre.” Ainda há pouco tempo, esbofetear ou dar sovas de cinto era prática comum em Portugal, aceite pela comunidade, e os pais eram vistos como “bons educadores”.
Se ninguém nega que tem de haver disciplina (mesmo que a palavra ainda seja entendida por muitos como sinónimo de autoritarismo), há que respeitar regras na sua aplicação. Quando os pais se sentem agredidos (por exemplo, face a certas provocações da criança, ou se derrubar e partir alguma coisa enquanto corre), têm de passar da situação de vítimas para a de juízes.
Assim, o primeiro aspeto a analisar é a intenção: se a criança fez de propósito ou não (uma coisa é agarrar numa jarra e atirá-la ao chão, outra é ir a correr e, sem querer, dar um encontrão na mesa onde estava a jarra); seguidamente, ver se a criança já deveria saber essa regra (“não se corre na sala”) ou se ainda não estava suficientemente integrada e metabolizada; depois, se houve algum fator de força maior (na perspetiva da criança) que a fez relegar a regra para segundo plano (por exemplo, se ouviu o som da TV anunciando os seus desenhos animados preferidos).
É importante dar sempre uma oportunidade à criança de se explicar, mesmo que ela demore algum tempo a fazê-lo (porque está assustada e a tentar compreender o que se passou). O “cala-te!”, quando ela tenta explicar-se, é castrador e não a entusiasma a pensar sobre a razão por que as coisas aconteceram e que a sua versão pode não ser a mais certa; há fatores atenuantes que devem ser considerados, como fome, sono, excitação, cansaço ou a presença de outras crianças que a fazem sentir ciúmes ou inveja.
Se após esta análise se considerar que se deve castigar, além de dar um aviso sobre o comportamento e de o descodificar (porque é que, ao correr, mesmo com uma boa razão, uma mesa pode ser derrubada e uma jarra partir-se), há que sublinhar, sem qualquer margem para dúvidas, que o que está em causa é o ato e nunca a pessoa – tem de se dizer com convicção: “És querido, adoro-te, mas o que tu fizeste não está certo”; só assim a criança entenderá que é castigada pelo seu ato, que a sua pessoa não está em causa (não nos esqueçamos de que, nesta idade, impera o medo do abandono e de que os pais não gostem dela) e que os pais querem corrigi-la por gostarem tanto dela. Por outro lado, será mais possível mudar um comportamento do que uma pessoa inteira!
O castigo deve ser imediato, depois desta fase de ponderação. Castigos dilatados no tempo perdem o significado, e as crianças podem pensar que estão a ser punidas pelos seus atos mais recentes, o que leva a incompreensão; por outro lado, o nível de castigo não deve ser proporcional ao estrago, estilo “se partir uma jarra barata leva uma admoestação, se for uma muito cara já leva um tabefe”.
Se estivermos constantemente a dizer “não” e a humilhar a criança (“és mau”, “és feio”), além de criarmos grande insegurança que a fará tentar dar nas vistas (e a melhor forma de chamar a atenção é fazendo patifarias), estamos a dizer-lhe que perdemos a esperança de ela melhorar. Além disso, o seu processo de aperfeiçoamento será feito no sentido de “ser cada vez pior”, já que o destino de um “mau” é ser mesmo “o rei dos maus”.
Com conta, peso e medida
Há que graduar os castigos e reparos, utilizando os vários elementos de que os pais dispõem, e se não se esgotar logo os castigos de nível mais alto, poderá repreender-se a criança com um levantar de sobrancelhas ou uma alteração no tom de voz. Gritar não nos dá razão, pelo contrário, amedronta a criança e fá-la perder a possibilidade de escutar o que se está a dizer-lhe. Falar baixo, aliás, tem mais impacto, porque revela a seriedade do momento.
Devemos esforçar-nos para que a vitimização, a cólera ou a frustração que trazemos de fora (do emprego, do trânsito ou seja do que for) não tenha influência na decisão de castigar. Do mesmo modo, as regras devem ser aplicadas de igual modo esteja a criança a sós com os pais ou estejam presentes mais pessoas – o que os outros possam pensar não deve ser um critério para castigar.
Demasiadas regras tornam-se incompreensíveis, e por outro lado perdem o valor. Se tudo é errado, o errado deixa de ser exceção e passa a ser regra. É conveniente priorizar os limites e as regras: algumas são constantes (não se bate nos pais), outras podem variar um pouco conforme a ocasião e o humor (a chamada “zona cinzenta”).
Há que ter uma certa criatividade nos castigos – parar para pensar, fazer pequenos “serviços cívicos” em casa, podem ser maneiras de evitar confrontos e escaladas de gritos, berros e violência; se se opta por castigos de grau elevado (por exemplo, bater), a cada repetição do comportamento, só se poderá responder elevando ainda mais a fasquia, ou seja, no exemplo dado, bater ainda mais.
Há que ser consistente e coerente – se hoje se castiga duramente um comportamento e amanhã não, a criança não compreenderá o fio diretor das regras; do mesmo modo, se um irmão é castigado e o outro não, face a comportamentos idênticos, a sensação de injustiça levará a vitimização e impedirá qualquer melhoria.
Se for possível introduzir uma pitada de sentido de humor, a criança desta idade entende a mensagem mas sente-se menos culpabilizada e integrará melhor a regra. Além disso, essa descompressão dar-lhe-á mais energia e capacidade de refletir sobre o que fez e projetar a mudança de comportamento; depois de passada a crise e cumprido o castigo, há que sublinhar que as contas estão saldadas – não se pode amanhã ir buscar o que ontem já foi sancionado.
É também fundamental um jogo comum entre os dois pais, ou entre os pais e as restantes pessoas presentes. Mesmo que depois, sem a criança presente, se acertem agulhas, será muito contraproducente um fazer de advogado de acusação e o outro de defesa – e há que fazer com que a criança sinta que portar-se bem é bom, em termos éticos. Todavia, repetir que se às vezes se portar mal não é nada de irreversível, não belisca o amor que os pais têm por ela e não altera – pelo contrário, reforça – o sentido de que as pessoas erram, mas de que o erro, devidamente analisado, pode conduzir a práticas melhores.
Dar uma palmada numa mão ou numa fralda pode não ser bater, se for a única maneira de estabelecer um limite. Uma coisa é “bater numa criança para a humilhar”, outra é “conter aquela mão que está surda a outros argumentos para que perceba que não pode continuar assim”. Para uma criança compreender que dois objetos ou dois comportamentos são diferentes, há que mostrar que estão separados, ou seja, que há um momento de corte.
Nunca se deve magoar uma criança ou bater de modo a fazer doer. A palmada (no fundo, apenas um “enxota-moscas”) não pode ser uma maneira de marcar o momento, mas apenas isso. Bater, seja com o que for, é errado e pode ser considerado um maltrato.
Do mesmo modo, humilhar, denegrir, esmagar, são maneiras erradas de educar. A questão é muito simples: se os pais amam a criança, não podem agredi-la, seja por palavras ou por atos. Se a amam, mesmo que tenham de vincar a sua autoridade, não podem fazê-lo de um modo que se traduza por rejeição.
Além do mais, os castigos acabam por deixar de resultar, sendo necessário mais e mais. Colocam as relações pais-filhos em mísero estado e não promovem pessoas equilibradas e resilientes