Era o segredo político menos bem guardado do ano: Marcelo Rebelo de Sousa anuncia, finalmente, a sua recandidatura a Belém. Uma decisão de que cedo deu sinais, o primeiro, quando, em janeiro de 2019, nas Jornadas Mundiais da Juventude, se declarou muito feliz por poder receber o Papa Francisco no próximo evento, que se realizaria, em Portugal, em 2022 (devido à pandemia, foi adiado para 2023). Este ano, no célebre episódio da Autoeuropa, o Presidente foi dado como reeleito pelo próprio primeiro-ministro, António Costa, quando este fez votos para que, daí a um ano, ambos voltassem à fábrica de Palmela… para almoçar. Em outubro de 2017, Marcelo teve a sua “darkest hour”, com os incêndios do dia 15 e a ameaça de que, se se repetisse a catástrofe, não se recandidataria. Depois, percebeu-se que o que Marcelo desejava mesmo era bater, na reeleição, o recorde de Mário Soares, que, em 1991, obteve 70,35 por cento. Com a emergência de candidaturas muito polarizadoras, à esquerda e à direita – sobretudo, Ana Gomes e André Ventura –, facto aliado à incerteza da crise sanitária, ficou evidente que o passeio não seria, afinal, triunfal. Mas se Marcelo ainda pensou retirar-se (sobretudo devido a questões pessoais e familiares, com o desejo íntimo de ser um avô mais presente…), a pandemia veio colocá-lo entre a espada e a parede: a sua “reforma antecipada” poderia ser interpretada como uma deserção.
Curiosamente, a dramatização da próxima campanha eleitoral, protagonizada pelo “populismo hard” de Ventura e pelo “populismo soft” de Ana Gomes, pode favorecer alguma mobilização em torno do Presidente-candidato, revalorizando o seu papel como fator de equilíbrio. E, com isso, mobilizar eleitores que, de outra forma, poderiam desvalorizar as eleições e ficar em casa. Ao longo do mandato, Marcelo fez dos afetos uma razão de Estado. Montando o escritório na rua, fez da selfie um poderoso instrumento político, que lhe permitiu chegar aos portugueses, passando por cima dos partidos e da mediação mediática. Sem uma estrutura de campanha montada – nem qualquer intenção de a montar –, o Presidente, que teve o mérito de descrispar o País e de reconciliar muitos portugueses com a política, voltou a tornar relevante o órgão Presidência da República, até pela forma colaborante mas vigilante como estabeleceu a coabitação com o Governo. Desse ponto de vista, foi um Presidente marcante, presente e interventivo. Saber, agora, como vai exercer os afetos, mantendo o distanciamento social e cumprindo as regras sanitárias, é uma das maiores curiosidades da próxima campanha.